Artigo de Maria Eduarda Ribeiro e João Lourenço.
(inicialmente publicado no blog A Areia dos Dias http://areiadosdias.blogspot.pt/, Eleições 2015: Olhares Cruzados http://fundacao-betania.org/ges/L2015/03_gES_Olhares-EduardaRibeiro-JoaoLourenco.pdf)
1. A situação presente
O Programa de Ajustamento celebrado com a Troika teve efeitos particularmente gravosos sobre o mercado de emprego em Portugal. Desde 2011 que se tem vindo a assistir: à queda do emprego, sendo que o aumento verificado mais recentemente foi largamente insuficiente para anular a descida anterior; à subida da taxa de desemprego, que actualmente se situa na ordem dos 13%, tendo contudo chegado a ultrapassar os 17%; à diminuição da população activa, numa ordem de grandeza superior a 200 mil pessoas; à saída de mais de 300 mil pessoas para o exterior; e à degradação dos salários e demais direitos dos trabalhadores, incluindo o alongamento dos horários de trabalho.
A descida da taxa e do volume de emprego foi acompanhada pelo reforço da precariedade, através dos contractos a termo, do trabalho temporário e do falso trabalho independente, cuja tendência crescente se vem verificando desde há vários anos, mas que atingiu agora valores extremamente elevados, especialmente entre os jovens, que são frequentemente vítimas de um recurso abusivo deste tipo de contractos, muitas vezes, à revelia da lei, por parte de entidades empregadoras.
O volume e a taxa de desemprego, já de si muito elevados, são agravados pelo facto de cerca de cerca de 2/3 dos desempregados estarem sem trabalho há mais de 1 ano, e verem reduzida a sua cobertura pelo subsídio de desemprego, que conheceu uma descida significativa, por força de novas regras. Acresce que a taxa de desemprego jovem tem vindo a situar-se em níveis anormalmente elevados, mesmo para os detentores de qualificações superiores.
A diminuição da população activa foi sentida de forma acentuada nas idades mais jovens, por força da emigração, que regista quantitativos médios anuais que ultrapassam os registados na década de 60, para além dos efeitos associados às pessoas que desistiram de procurar emprego, por não acreditarem que o venham a conseguir.
A degradação do salário teve lugar em termos reais e mesmo nominais, com os novos contractos a serem estabelecidos em níveis inferiores aos anteriores, e porque se verificou uma descida do peso da massa salarial no produto. Acresce que se tem vindo a assistir a uma regressão da contratação colectiva de trabalho, com consequências negativas sobre a actualização dos salários e das condições de trabalho.
Podemos então concluir que o mercado de emprego foi um dos elementos chave do processo de desvalorização interna imposto pelo programa de ajustamento, a par dos cortes sofridos pelas prestações sociais. Esta situação é tanto mais injusta, quanto se sabe que o trabalho é um elemento fundamental para a realização do ser humano, constituindo a principal fonte de rendimento das famílias. Não foi reconhecida a importância do trabalho digno, na acepção que lhe foi dada pela Organização Internacional do Trabalho, na construção e preservação de uma sociedade sustentável, equilibrada e justa.
2. O trabalho e o emprego nos programas eleitorais
Muito embora ainda não se disponha de todos os programas eleitorais ou, pelo menos, do seu texto final, é possível encontrar, em todos os programas objecto de consulta, referências ao emprego.
Nas Linhas de Orientação e Garantias da coligação PSD/CDSPP, é expressamente afirmada “a fidelidade a um modelo de crescimento económico que assegure a sustentabilidade e a criação de riqueza e a criação de emprego”. Na enumeração das garantias aos cidadãos eleitores são referidos um “crescimento robusto e gerador de emprego” (de 2% a 3% ao ano) e a “prioridade máxima à redução do desemprego” (para níveis da média europeia). Porque as garantias não foram objecto de concretização, não se dispõe das medidas e políticas ligadas a estas garantias. No entanto, pode-se, desde já, questionar sobre os valores previstos para a evolução do produto, dado o contexto internacional, bem como sobre qual a estratégia subjacente a um modelo de crescimento gerador de emprego. Se o modelo se limitar a seguir as linhas de orientação anteriores, parece difícil conseguirem-se acréscimos substanciais do volume de emprego. Por outro lado, a prioridade máxima à redução do desemprego impõe igualmente a apresentação de um programa coerente de combate ao desemprego, que dificilmente terá resultados com a continuação e reforço das políticas de austeridade que vêm sendo seguidas.
O Programa Eleitoral do PS aponta expressamente para o objectivo de “promover o emprego e combater a precariedade”. Para tanto, são defendidas medidas destinadas a apoiar o emprego nos sectores de bens transaccionáveis e nos sectores criadores de emprego, a maior valorização e capacitação do empreendorismo para estimular a criação de emprego e um programa nacional de apoio à economia social e solidária. A luta contra o desemprego é focalizada nas medidas de política activa contra o desemprego dos jovens e de longa duração. A propósito, é referida a má utilização dos estágios e das políticas activas de emprego que têm vindo a ser levados a cabo e que se têm revelado geradoras de mais precariedade. As propostas apresentadas enquadram-se no respeito pelo compromisso nacional com a Zona Euro, acreditando-se que permitem relançar a economia e criar emprego, sem descurar a consolidação das finanças públicas. A pergunta que se impõe é a da viabilidade de um crescimento sustentado dos países mais frágeis desta Zona, como é o caso de Portugal, na ausência de mudanças de regras da União Económica e Monetária.
No Programa Eleitoral da coligação CDU o objectivo de “valorizar o trabalho e os trabalhadores” é concretizado através de medidas destinadas a repor integralmente os cortes salariais, a subir o Salário Mínimo Nacional para os 600 euros mensais, a combater a precariedade, só permitindo o trabalho precário nos casos em que é absolutamente necessário e a reduzir o horário semanal de trabalho para as 35 horas. No Programa defende-se a renegociação da dívida e o estudo e preparação para a saída do euro, recuperando a soberania em termos de poder monetário, orçamental e cambial, o que propiciaria avançar para um crescimento económico apoiado na valorização dos sectores produtivos e na produção nacional.
No Manifesto Eleitoral do Bloco de Esquerda, a secção dedicada ao Trabalho começa por afirmar que se pretende “Criar emprego e reconquistar direitos”. Com vista a preencher este objectivo são propostas medidas destinadas a repor os cortes salariais, a aumentar o Salário Mínimo Nacional para os 600 euros mensais, a combater a precariedade, apontando-se, entre outras medidas, para a proibição das empresas privadas serem fornecedoras de trabalho temporário e para novas regras para os estágios. No que respeita à reconquista de direitos, defende-se a reforma do Código de Trabalho e as 35 horas semanais de trabalho.
Os pressupostos subjacentes a estas propostas têm a ver com a superação definitiva dos PEC’s, através do crescimento do investimento público, coordenado à escala europeia, para a criação de emprego nos sectores que dão resposta às amplas necessidades sociais por satisfazer.
Nas prioridades que constam do programa de Portugal Livre – Tempo de Avançar, o objectivo de Respeitar o Trabalho é expresso da seguinte forma: “Criar emprego, suprindo as faltas de emprego concretizado por intermédio da defesa do emprego em vários sectores do Estado, contractando novos trabalhadores, com os mesmos direitos, e salários. Acabar com a fraude que são os contractos-inserção. Criar um novo regime jurídico e contributivo do trabalho independente, com protecção social e contribuições semelhantes às dos restantes trabalhadores”. Para tanto, há, entre outras medidas, que recuperar a economia, através de negociações com a União Europeia para restruturar a dívida pública e deixar a economia respirar, orientar os fundos estruturais para investimentos que reduzam a dependência externa, etc.
3. Algumas omissões e questões que gostaríamos de ver respondidas
Da leitura dos programas das coligações e partidos políticos pode concluir-se que, para todos, a criação de emprego está dependente do ritmo e dos pressupostos assumidos quanto ao crescimento económico. Daí a importância de uma ampla discussão sobre o modelo subjacente a cada programa, a sua exequibilidade face às envolventes interna e externa, e a respectiva capacidade para tal modelo ser gerador de emprego.
Uma pergunta que se impõe é a de saber qual a estratégia a seguir e que mudanças devem ser encaradas no caso de o crescimento vir a ser mais fraco do que o previsto, impondo limitações sérias ao crescimento do emprego. Esta possibilidade remete para o debate de um novo paradigma sobre o trabalho, propiciado não só por taxas de crescimento mais modestas, mas também por mudanças nas formas de produção e distribuição. Muito embora haja nos programas várias referências à inovação e às alterações tecnológicas, as medidas de emprego propostas não incorporam suficientemente estas alterações, sendo por isso geralmente pouco inovadoras.
Detecta-se também uma preocupação generalizada com a precariedade, mas pouco se avança em termos de propostas quanto a objectivos ligados à melhoria da qualidade do trabalho, sem prejuízo das negociações colectivas que se venham a desenvolver, a qual deve ser vista numa acepção mais vasta do que a higiene e segurança no trabalho ou a defesa dos direitos laborais.
As ligações entre a educação, a formação e o mundo do trabalho carecem igualmente de serem aprofundadas, de modo a serem objecto de medidas que ultrapassem os actuais estrangulamentos e ineficiências.
As preocupações com as políticas activas de emprego são comuns aos vários programas, não existindo, porém, referência explícita a uma exigência acrescida quanto à respectiva avaliação, por forma a aferir dos seus efeitos.
Não existe também uma estratégia no que respeita aos movimentos migratórios, pese embora o seu significado no âmbito internacional, europeu e nacional.
Tendo em conta o que foi dito, gostaríamos de colocar algumas questões:
- Qual o lugar efectivo da dignificação do trabalho e do emprego entre os objectivos assumidos por cada força partidária para a próxima legislatura? As políticas e medidas propostas nos programas serão adequadas aos objectivos enunciados?
- Qual deve ser o papel da política de emprego? Quais as suas forças e fraquezas?
- Como tornar mais eficaz a luta contra a precariedade? Quais os elementos constitutivos da estratégia a desenvolver: em termos de política económica e de regulação do mercado de trabalho?
- Como permitir uma ligação mais proveitosa entre a escola, a formação ao longo da vida e o emprego, no respeito pelos objectivos próprios a cada um dos campos em presença?
- Que importância atribuir à economia social e solidária? Quais as suas potencialidades e limites?
- Qual o lugar para as políticas activas de emprego? Que passos poderiam ser dados para as tornar mais eficazes? Quais as mudanças que podem desde já ser encaradas?
- Que passos podem ser dados no sentido de se avançar para novas modalidades de trabalho e de emprego, que incorporem as alterações previsíveis quanto às formas de produzir e distribuir, respeitando os direitos dos trabalhadores? Que lugar para o trabalho a tempo parcial?
- Que medidas tomar para assegurar a igualdade de género no emprego: no acesso, na remuneração e na promoção na carreira?
- Que reformas introduzir no conceito de empresa, de modo a assegurar a participação dos trabalhadores em matérias relevantes de gestão, designadamente na definição das respectivas estruturas de remuneração?
- Que articulações devem ser encaradas em matéria de política de emprego, a nível europeu, para além do financiamento da formação, designadamente quanto a um subsídio de desemprego europeu e à gestão dos fluxos migratórios?