Saída da crise e da austeridade exige rupturas

Artigo de Octávio Teixeira.


(inicialmente publicado no Diário de Notícias de 17 de Agosto de 2015, http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4732864&seccao=Convidados&page=-1)

Após quatro anos de políticas austeritárias e de liberalização, não só os cidadãos estão mais pobres como, nos seus fundamentais, a economia portuguesa está pior.

Há mais desigualdade na distribuição do rendimento em desfavor do factor trabalho, há menos emprego e mais desemprego, os salários e as pensões de reforma foram reduzidos, o trabalho foi desvalorizado de múltiplas formas, há mais população em risco de pobreza.

As privatizações a favor de capital estrangeiro minaram a capacidade nacional de gestão e orientação de sectores estratégicos para o país e para a economia nacional.

Durante este período a formação líquida de capital fixo reduziu-se em 10% do PIB. Ou seja, em termos de capital fixo a economia regista uma menor capacidade produtiva, menos capacidade de criação de riqueza e de geração de emprego.

Em simultâneo, a emigração de 485 mil cidadãos, com grande incidência em jovens com elevada formação escolar, reduziu fortemente a população activa, o “capital humano”.

Paralelamente, os grandes constrangimentos financeiros a uma política de crescimento não foram reduzidos, antes pelo contrário: a dívida pública e a dívida externa aumentaram significativamente e o endividamento das empresas não se reduziu. E a evolução do saldo da balança corrente com o exterior ficou a dever-se fundamentalmente à redução do consumo (ao empobrecimento das pessoas) e à destruição do investimento.

De tudo isto decorre que as bases para avançar com uma estratégia de crescimento sustentado são hoje mais frágeis que em 2011. E tudo isto mostra o fracasso da estratégia prosseguida. Não porque a estratégia não foi suficientemente austeritária e predadora, como reza o coro liberal de políticos e cronistas, mas porque essa estratégia é demonstradamente destruidora.

Se a estratégia fracassou, se se mostrou contrária às legítimas aspirações dos cidadãos e aos interesses da economia, deve ser enterrada e substituída por outra substancialmente diferente.

No conteúdo e não apenas na forma. Porque prometer o fim da política austeritária, o aumento do crescimento e do emprego e a garantia do Estado social e ao mesmo tempo cumprir o tratado orçamental e não reestruturar a dívida pública, é uma equação impossível de resolver.

Só será possível implementar políticas alternativas às que têm vindo a ser implementadas se houver uma ruptura com os principais constrangimentos a que o País está sujeito.

E a primeira ruptura deverá ser libertar o país do garrote da dívida pública (e, por arrasto, da dívida externa). Porque a dimensão que atingiu a torna multiplamente insustentável.

Desde logo insustentável do ponto de vista económico e financeiro. Os juros da dívida representam um fardo cada vez maior, atingindo os 5% do PIB. Se a isto somarmos as amortizações da dívida de médio e longo prazo, o encargo anual duplica. E como cerca de ¾ desta dívida pública é dívida externa, isso significa que nos consomem qualquer coisa como 15 a 20% das exportações de bens, serviços e turismo.

São recursos financeiros incomportáveis que bloqueiam a capacidade nacional de investimento e de crescimento. Recursos essenciais para promover o necessário investimento público e reduzir a carga fiscal visando o aumento indispensável da procura interna.

Para além do mais, esses volumosos encargos sustentam a dinâmica autoalimentadora da dívida (os juros pagos de 2011 a 2014 são responsáveis por quase ⅔ do aumento da dívida que ocorreu no mesmo período).

Mas a dívida pública também é incomportável do ponto de vista social. O montante previsto dos juros da dívida é equivalente, por exemplo, a 112% dos encargos previstos com o SNS e a 134% dos encargos com a Educação. E se a prioridade continuar a ser a de satisfazer em primeiro lugar e a todo o custo as responsabilidades com os credores, como o dinheiro não chega para tudo, então serão as funções do Estado que continuarão a ser imoladas.

Acresce a exigência que o Tratado Orçamental nos faz de redução da dívida pública para 60% do PIB num prazo de 20 anos, e que não é susceptivel de quaisquer leituras ditas inteligentes. Sem uma diminuição do montante da dívida e das taxas de juro, e mesmo na perspectiva optimista do Governo no programa de estabilidade 2015-2019, isso obrigaria à obtenção de saldos orçamentais primários positivos da ordem dos 3,7% anuais durante esse longo período. Algo quer seria inédito entre os países da UE e é uma missão impossível. Se fosse tentada, arrastaria a economia para uma prolongada depressão e promoveria o empobrecimento perene da população, a manutenção do desemprego a níveis elevadíssimos, a emigração permanente, a privatização de tudo que público seja, incluindo a saúde e a educação.

E os bloqueios resultantes da dívida incidem igualmente sobre a democracia politica e a soberania nacional. Porque a sua subsistência conduziria a que não pudesse haver alternativa à política austeritária. O que significaria a negação da democracia política e do poder soberano do povo de optar por outras vias.

A não reestruturação significativa da dívida pública impede, objectivamente, quaisquer estratégias e políticas diferentes das actuais. Independentemente da cor partidária que estiver no governo. As alterações possíveis circunscrevem-se ao grau. E o melhor a que uma política de austeridade mais moderada poderá aspirar é uma austeridade mais moderada, mas mantendo-nos num quadro de austeridade perpétua.

Por tudo isto, a renegociação da dívida pública terá de ser feita mais cedo ou mais tarde (e quanto mais tarde pior). Nos termos que os credores institucionais imponham ou nos termos definidos por Portugal. Por isso deve ser assumida por iniciativa do Estado português salvaguardando os interesses nacionais e assente num serviço da dívida compatível com o desenvolvimento.

Porém, o excesso de dívida pública não é a causa da crise. A crise é a resultante de perdas acumuladas de competitividade desde 1999. Para além de causas conjunturais, a causa fundamental que levou ao acumular das dívidas excessivas foi a impossibilidade de compensar essas perdas de competitividade com desvalorizações da moeda.

A reestruturação da dívida sendo urgente e aliviando os constrangimentos que pesam sobre a economia e a população, não resolve pois um problema de fundo e central: a competitividade capaz de gerar condições para o crescimento económico e a reindustrialização do país. O Euro é o obstáculo maior ao desenvolvimento do país. E a sua ultrapassagem só é possível com a recuperação da soberania monetária. Não como um fim em si mesmo mas para possibilitar uma política de pleno emprego, de crescimento económico e de desenvolvimento social.

Em suma, o desbloqueamento do desenvolvimento e a recuperação da soberania passam pelo enterro da política austeritária, pela reestruturação da dívida e pela saída da zona Euro. Apesar dos seus custos. De qualquer modo menores que os decorrentes da desvalorização interna, da austeridade perpétua.