Lições de um plano mal enjorcado, mas muito plástico

Artigo de João Ramos de Almeida.


(inicialmente publicado em http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/08/licoes-de-um-plano-mal-enjorcado-mas.html#more)

Os quatro anos e tal de aplicação do Memorando são um mar de lições. Quem tenha de ler por atacado as opiniões escritas ao longo deste período, consegue sentir melhor as ideias que estavam por detrás das medidas adoptadas. Nomeadamente em relação ao mercado laboral.

1. Passos Coelho começou em 2011 por querer alterar a Constituição no que toca à justa causa de despedimento. “Causa atendível” em vez de “justa causa”. Parece uma ideia vinda algures de um escritório de advogados, não parece? Na altura, pensámos: “Lá está a velha preocupação conservadora, supostamente atenta às dificuldades das empresas em contratar, supostamente para poder empregar”. Digo “supostas dificuldades” que – frise-se – não tinham impedido que, nessa altura, Portugal estivesse a viver dos mais altos níveis de desemprego. Ou seja, a lei não impedia o despedimento. Então para quê?

2. O Governo estuda, em 2011, a possibilidade de redução de custos salariais, via descida da TSU. Nessa altura, o Governo via-se confrontado com a descoberta de encargos orçamentais desconhecidos e – apesar da sua matriz liberal e ao arrepio das promessas feitas – optou antecipar o aumentar de impostos e pegar em receitas extraordinárias. Apesar do impacto recessivo, ampliado pelo susto da vinda da troika, quis o Governo baixar custos salariais para – dizia – promover a competitividade externa das empresas. E digo “dizia” porque o peso médio dos salários é de 20% dos custos de produção, pelo que os salários teriam de descer de sobremaneira para ter um impacto visível nos preços finais. Mas a medida borregou por causa dos custos fiscais (aumento do IVA) e de um estudo oficial de vários ministérios em que se provou a sua ineficácia.

3. Alternativa: mexidas na legislação laboral, com redução forte da retribuição salarial. As alterações representaram uma enorme bateria de medidas – feriados, férias, trabalho extraordinário, descanso compensatório, banco de horas individual, retracção da contratação colectiva. Na altura, o Governo estimava uma redução dos custos de trabalho superior a 5%, que teria impacto numa subida do emprego de 2% em 2013 e de 10% a médio prazo.

4. Ainda não estavam em vigor essas alterações e face a uma subida exponencial do desemprego, voltou – em Setembro de 2012 – o governo com as mexidas na TSU que viriam sapar irremediavelmente o apoio político da população à coligação de direita, após as manifestações nacionais. O governo teve de recuar. Mas não sossegou.

Já tinha reduzido salários, mas não se criou emprego por causa disso. Nem 2 nem 10%!
Ah, o problema era que não se conseguia reduzir salários base. Baixara-se custos extraordinários, não se conseguiu baixar contribuições sociais: faltava reduzir os salários base.

5. Regressou em 2013 o Governo a mexer nas causas de despedimento. Para quê? Pois. Na ausência de um mecanismo legal que autorizasse a redução salarial – que na prática já se estava a verificar na sociedade – a única forma de conseguir baixar salários base era através do desemprego. Quem substituísse alguém numa dada função iria receber um menor salário. Surgem aquelas máximas: “A estabilidade no emprego cria desemprego. E a instabilidade cria emprego” (JVP, Expresso, 3/8/2013). Mas as alterações ao despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação foram chumbadas pelo TC.

6. Então, se não se consegue baixar salários, talvez se possa aumentar os lucros das empresas. Surge a reforma da tributação em IRC, uma reforma que beneficia de sobremaneira as empresas que mais contribuem para as receitas fiscais do imposto – as maiores. Reduz-se tendencialmente, as taxas praticadas (nada dizendo sobre a matéria colectável que já permite uma evasão considerável de lucros não tributados), aumenta-se exponencialmente o reporte de prejuízos, isenta-se benefícios. Supostamente – diga-se – para criar mais empregos, via captação de investimento… estrangeiro. Ainda acredita nisso?

Lições:
1) o desemprego nunca foi um mal menor nesta estratégia de – erradamente – ganhar competitividade por via salarial;
2) o objectivo é conseguir legalmente reduzir salários base e esse objectivo ainda não foi esquecido;
3) o emprego tende a responder mal a descidas salariais. Se alguma coisa mostram os recentes valores é que a subida do emprego está a associada à subida do consumo. E do crédito ao consumo. E que, apesar de se manterem as condições de despedimento – supostamente bloqueadoras do emprego – o emprego cresce…;
4) fracasso e o falhanço de uma política tem esse mérito: devidamente “vestidas” ou “camufladas”, permitem justificar a necessidade da próxima etapa da mesma medida.

Até que alguém os pare.
Era bom o PS pronunciar-se sobre estes pontos.