Artes de ilusionista na tributação sobre a banca

Artigo de João Ramos de Almeida


(inicialmente publicado em http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/09/artes-de-ilusionista-na-tributacao.html#more)

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, tem sublinhado que, afinal, o sector bancário está a pagar impostos e que – subliminarmente – este Governo fez frente aos poderosos. E a prova é que a contribuição extraordinária sobre o sector já rendeu 758 milhões de euros em 5 anos (de 2010 a 2014), contribuindo para uma subida da taxa efectiva de pagamentos de impostos pelo sector.

Esta contribuição foi criada ainda em 2010 e incide sobre os passivos dos bancos e sobre os montantes aplicados em instrumentos derivados. Era uma medida para penalizar práticas mal sãs do sector que nos tinha colocado na crise económica que se vivia então. E já agora arranjar umas verbas orçamentais adicionais.

O que me parece espantoso é como uma contribuição extraordinária tenha atingido valores que rondam entre um quinto a quarto do IRC liquidado pelo sector. É como se aplaudisse os valores da contribuição, para ofuscar o que se passa realmente no IRC, onde o sector paga uma pequena e desproporcionada parcela relativamente aos outros sectores. Basta olhar para as poucas e atrasadas estatísticas fiscais (as últimas reportam-se ao exercício de 2012 quando já deveriam por lei ter sido publicadas as de 2013!).

Entre 2010 e 2012 (três anos), o sector teve os seguintes números:
Resultados positivos: 51,3 mil milhões de euros (48% de toda a economia)
Prejuízos fiscais: 12,9 mil milhões de euros (26% de toda a economia)
Lucros tributáveis: 11,1 milhões de euros (16% de toda a economia)
(ou seja, já se verificou uma erosão de 40 mil milhões de euros entre os resultados positivos e os tributáveis, cerca de 4/5 dos resultados positivos)
Matéria colectável: 9,4 mil milhões de euros (21% de toda a economia)
(ou seja, mais um pequeno corte aos resultados de 1,7 mil milhões de euros)
IRC liquidado: 2 mil milhões de euros (24% de toda a economia)

Ora, daqui já se percebe que algo se passa quando 48% de todos os resultados positivos da economia se transformem em apenas 24% do IRC liquidado em toda a economia…

Caso se tente calcular o peso do imposto liquidado sobre os lucros efectivos (os resultados positivos), verifica-se:

1) O sector bancário teve das taxas efectivas de IRC em 2012 mais baixas da economia (8,5%), só superior à da electricidade (4,9%). A taxa média da economia foi de 12,5%. Em 2010, a banca teve uma taxa efectiva de 2,3%! Percebe-se a criação da contribuição extraordinária…
2) Com pagamentos tão baixos de IRC, qualquer contribuição especial atinge logo uma fatia de leão e permite ao Governo apresentar-se como um real cobrador de impostos. O IRC liquidado anualmente rondou entre os 660 e os 716 milhões de euros e a contribuição extraordinária sobre o sector bancário deu 152 milhões de euros em 2011, 156 milhões em 2012, 139 milhões em 2013, 180 milhões em 2014. Quando na realidade, o sector não paga impostos sobre a parte de leão dos resultados positivos.

Resta ainda acrescentar que mais nenhum outro sector beneficiou tanto de uma reforma do IRC (coordenada pelo ex-militante do CDS, administrador do BPI e Sonae) e que aumentou de 4 para 12 anos o número de exercícios em que é possível abater prejuízos fiscais aos resultados positivos. Ou seja, a receita de IRC no futuro irá ser reduzida por este “subsídio” público ao sector.

Falar de 758 milhões de euros de contribuição extraordinária quando se permite a erosão de milhares de milhões de euros, parece um exercício forçado. Mas pronto, é o que há.