Artigo de Pedro Adão e Silva
(inicialmente publicado no Expresso de 29 de Agosto de 2015)
A direita já venceu as eleições. Não estou a dizer que a coligação será a força política mais votada. Pelo contrário. A questão é de outra natureza: o quadro político em que operamos é influenciado por uma hegemonia do pensamento de direita e por um recuo da social-democracia. O exemplo mais claro desta transformação política, que aliás está longe de se circunscrever a Portugal, é a forma como interiorizámos as virtudes da austeridade como forma de expiar uma culpa coletiva, assente na ideia de que vivemos acima das nossas possibilidades.
É por isso que o principal sucesso do atual Governo não foi a implementação do programa de reformas, nem o cumprimento das metas do memorando (que aliás falharam todas, com exceção da receita arrecadada com as privatizações), e muito menos a melhoria significativa das condições de financiamento da dívida pública (que foi determinada pela ação do BCE). A principal conquista da coligação ao longo desta legislatura foi a consolidação da ideia de que o problema do país radicava num excesso de despesismo de todos e cada um de nós e de como a expiação para esse mal dependia de uma austeridade, económica, política e, claro está, moralmente virtuosa. Esta ideia assenta no pressuposto de que um comportamento individual errado foi a causa dos nossos infortúnios coletivos. Assim, num movimento típico do pensamento pré-moderno, os sacrifícios pelos quais tivemos de passar foram a paga pelos erros anteriores.
Se assim aconteceu foi porque se trata de uma resposta simples a uma questão complexa (como explicar a crise portuguesa?) e porque o campo social-democrata abdicou do “combate cultural”, deixando a porta aberta para a afirmação de um pensamento hegemónico refletido numa leitura dominante sobre a natureza da crise.
Regresso a este propósito ao livro de Ricardo Paes Mamede (“O que fazer com este país”), porque é um exercício eficaz na desmontagem de muitas ideias feitas sobre a crise e um esforço singular para responder à pergunta: quem são os responsáveis pela estado a que chegámos?
Contrariando uma leitura moral da crise, Paes Mamede identifica responsabilidades repartidas entre os arquitetos da moeda única e os governos que fizeram da participação no euro a prioridade das prioridades; os negociadores dos acordos comerciais entre a UE e países terceiros que aprovaram condições desastrosas para a indústria portuguesa, sem mecanismos de compensação adequados; os mentores da liberalização financeira que criaram o contexto para a grande crise desencadeada em 2008; o comportamento errático da UE e dos Estados-membros na gestão das várias fases dessa crise e a troika e os governos portugueses que acordaram um programa de austeridade destrutivo.
Enquanto não for possível traduzir estas causas explicativas num discurso político partilhável, a social-democracia continuará a perder eleições, mesmo quando as vencer.