Artigo de Eugénio Rosa.
O problema da sustentabilidade da segurança social, é uma das matérias mais debatidas, e também aquela que é mais importante para os portugueses. E isto porque em todas as situações da vida, desde a nascença até à morte (nascimento, doença, desemprego, invalidez e velhice, etc.) quando se não tem capacidade para angariar rendimentos, é a segurança social que garante ou deve garantir mínimo para viver a cada português. Sem ela, 2.900.000 portugueses viveriam no limiar da pobreza segundo o INE. Por isso, a sua sustentabilidade é uma questão vital para todos os portugueses.
Vejamos então como é a tratada nos programas eleitorais dos maiores partidos ou coligações (PS e PSD/CDS) a questão da sustentabilidade da Segurança Social. E a forma mais rápida e rigorosa, é quantificar as principais medidas neste campo para depois se poder avaliar o seu impacto na Segurança Social. O quadro1, construído com estimativas dos próprios partidos (o caso do PS), e com algumas estimativas nossas feitas com base nos programas e outras dos partidos (o caso do PSD/CDS) permite realizar essa análise, pois dá o valor quantificado dos efeitos de cada uma das medidas.
Quadro 1- A pseudosustentabilidade obtida à custa de redução de contribuições e mais cortes nas prestações sociais defendida pelo PS e PSD/CDS
Como os dados do quadro mostram, no período 2016 a 2019, o PS tenciona fazer, se for governo, um corte enorme de 5.569 milhões nas contribuições (redução da TSU dos patrões e dos trabalhadores, em 4 pontos percentuais cada uma delas).
Para compensar esta enorme perda de receita, o PS pretende: (1) manter o congelamento das pensões, o que significa um corte nos rendimentos dos pensionistas de 1.660 milhões, a que os economistas do PS designam por “poupanças” (desde 2010, que a esmagadora maioria dos pensionistas não têm aumentos, o que significa um corte de 12% só devido à inflação ); (2) consignar a receita de 280 milhões € obtida de um novo imposto sobre as heranças de valor superior a um milhão de euros à Segurança Social; (3) consignar também à Segurança Social 4 pontos percentuais do IRC que daria uma receita de 1.600 milhões €; (4) fazer mais um corte de 1.020 milhões € nos complementos sociais das pensões estatutárias mais baixas, através da alteração da condição de recursos visando restringir o acesso a elas; (5) fazer a convergência da CGA/Segurança Social, onde o PS pretende fazer um corte de mais 160 milhões € nas pensões dos futuros aposentados, através da alteração de formula de cálculo da pensão.
Em resumo, o PS se for governo, no período 2016-2019, para “reforçar” (?!) a sustentabilidade da Segurança Social, pretende cortar (reduzir) em 5.569 milhões € as receitas das contribuições e, para compensar esta enorme redução de receitas, tenciona cortar 2.840 milhões € nos rendimentos dos pensionistas (segurança Social e CGA), e consignar à Segurança Social 1.880 milhões € de receitas de impostos (imposto sobre heranças e IRC), o que somado dá 4.720 milhões € (2.840M€+1.880M€), ficando assim ainda um “buraco” de 849 milhões € (5569M€-4720M€).
A coligação PSD/CDS pretende “reforçar” (?!) a sustentabilidade da Segurança Social da seguinte forma: (1) prolongando o congelamento das pensões dos reformados da Segurança Social e da CGA, que já não são atualizadas desde 2010 (a esmagadora maioria) fazendo um corte nos rendimentos dos pensionistas (Segurança Social e CGA) que estimamos, no período 2016-2019, em 2.603 milhões €; (2) fazer mais um corte nas pensões que estão a ser pagas de 600 milhões €, como consta do Programa de Estabilidade 2015-2019 que o governo enviou para a Comissão Europeia ( citando as razões para não haver dúvidas: “Tornando-se urgente adotar uma solução de médio prazo, uma vez que o modelo de financiamento não permite assegurar a cobertura das responsabilidades dos direitos em formação, nas próximas duas décadas” – pág. 39 do PE do governo). E a acrescentar a tudo isto, o PSD/CDS, tal como o PS, pretendem obter, com a convergência da CGA/Segurança Social , uma “poupança” de 160 milhões só em 2016, o que significa mais um corte nas pensões dos futuros aposentados.
E como tudo isto já não fosse suficiente, a coligação PSD/CDS afirma no seu programa eleitoral a intenção de introduzir o “plafonamento” das contribuições e pensões E Passos Coelho, já veio dizer que se aplica a 100.000 trabalhadores com remunerações superiores a 3.000€/mês . Isto significa que, em relação à parcela da remuneração superior a 3000€/mês, trabalhadores e patrões deixariam de descontar para a Segurança Social.
Embora ainda não existam dados disponíveis que permitem fazer uma estimativa rigorosa da perda de receita que tal medida representaria para a Segurança Social, interessa recordar, até porque se fica já com uma ideia, os efeitos da eventual introdução do “ plafonamento”. O “plafonamento” constante da proposta do governo de Durão Barroso/Bagão Félix aplicar-se-ia às remunerações superiores a 6 salários mínimos nacionais que , na altura, correspondia (os 6 SMN) a 2193€. A sua introdução determinaria uma perda de receita para a Segurança Social avaliada em 16.000 milhões € num período de 30 anos, o que representa uma perda média anual superior a 500 milhões €. Para além disto, como se pretende, com o plafonamento desviar uma parcela das contribuições dos trabalhadores e das empresas da Segurança Social para fundos de pensões privados, ou obrigatoriamente ou através de benefícios fiscais, isso significa que o objetivo é privatizar crescentemente a Segurança Social, através da transferência de receitas do sistema público para sistemas privados, enfraquecendo aquele e fortalecendo estes, transformando a segurança social em mais uma área de negócio para os privados (fundos de pensões e companhias de seguros).
Como conclusão final, não deixa de ser estranho e incompreensível que tanto o PS como a coligação PSD/CDS pretendam reforçar a sustentabilidade da Segurança Social através de cortes enormes nas contribuições e nas prestações sociais.
ANTÓNIO COSTA ESTÁ CONTRA O “PLAFONAMENTO”, MAS O PS APROVOU O “PLAFONAMENTO” QUE CONSTA DA LEI DE BASES DA SEGURANÇA SOCIAL
Um dos ataques mais repetidos e corretos que António Costa tem feito à coligação PSD/CDS é que, com a introdução do “plafonamento”, o que pretendem é privatizar a Segurança Social. No entanto, interessa recordar que o PS, com Vieira da Silva e Sócrates, introduziu, em 2007, na lei de Bases da Segurança Social, o principio que permite a introdução do ”plafonamento”.. E para que não haja duvidas vamos transcrever o artç 58º da Lei bases da Segurança Social (Lei 4-2007) que regula precisamente isso.
Artº 58º – Limites contributivos: (1) A lei pode ainda prever …. a aplicação de limites superiores aos valores considerados como base de incidência contributiva ou a redução das taxas contributivas dos regimes gerais, tendo em vista nomeadamente o reforço das poupanças dos trabalhadores geridas em regime financeiro de capitalização (Lei 4/2007).
“Aplicar limites superiores aos valores considerados com base de incidência contributiva”, significa precisamente a fixação de um valor de remuneração acima do qual o trabalhador e o patrão deixam de descontar para a Segurança Social, ou seja, o “plafonamento” horizontal agora violentamente criticado por António Costa. “Redução das taxas contributivas dos regimes gerais”, significa cortes em percentagem iguais nas contribuições que incidem sobre todos os níveis de remunerações, das mais baixas às mais elevadas, ou seja, o que se designa por “plafonamento vertical”, que é precisamente aquilo que o PS se propõe fazer na TSU , que incide sobre os trabalhadores e os patrões.
Finalmente, a justificação constante da própria lei, aprovada pelo governo de Sócrates, para a introdução destes dois tipos de “plafonamento” é precisamente ter “em vista nomeadamente o reforço das poupanças dos trabalhadores geridas em regime financeiro de capitalização”, o que pressupõe investimentos nos mercados financeiros, que envolve sempre especulação financeira a que estão associados riscos, portanto também aquilo que António Costa critica violentamente ser o objetivo da coligação PSD/CDS ao querer introduzir o “plafonamento” na Segurança Social.
António Costa, se quiser ser coerente na critica que faz à coligação PSD/CDS teria, por um lado, de abandonar a sua proposta de baixa de TSU (plafonamento vertical) e, por outro lado, se fosse governo’ de revogar o artº 58º da Lei de Bases da Segurança Social, que permite introdução na Segurança Social do “plafonamento” tanto horizontal como vertical.
O PERIGO QUE ENVOLVE TODAS ESTAS PROPOSTAS PARA A SEGURANÇA SOCIAL
O Regime Geral da Segurança Social, também chamado Regime Previdencial dos trabalhadores por conta de outrem, já enfrenta neste momento serias dificuldades como consequência da crise, e da politica de consolidação orçamental recessiva que agravou ainda mais a crise do país. Para concluir isso, basta referir que a média das taxas de crescimento das contribuições nominais no período 2007/2014 foi apenas um terço (2,3%/ano) da média de aumento verificada nos 10 anos anteriores (6,6%/ano).
E apesar do confisco do subsidio de férias e de Natal em 2012; apesar da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) que reduziu as pensões; e apesar do congelamento das pensões desde 2010, o equilíbrio do Regime Previdencial só foi possível com transferências extraordinárias do Orçamento do Estado, o que nunca tinha acontecido.
Entre 2012 e 2015, para além das transferências do OE impostas pela Lei de Bases da Segurança Social para pagar as prestações não contributivas, foram feitas transferências extraordinárias do Orçamento do Estado para cobrir o défice da Segurança Social. Segundo os Relatórios que acompanham os orçamentos de cada ano: 856 milhões € em 2012; 1.439 milhões € em 2013; 1.329 milhões € em 2014 e, previstos no OE-2015, mais 894 milhões €; portanto, em quatro anos de governo PSD/CDS e de intervenção da “troika”, como consequência da politica recessiva que destruiu centenas e centenas de empresas, e muitas centenas de milhares de empregos, o Orçamento do Estado teve de transferir, extraordinariamente, mais 4.509 milhões €, entre 2012 e 2015, para equilibrar as contas da Segurança Social apesar dos enormes cortes feitos nas pensões e em outras prestações pela coligação PSD/CDS e pela “troika”.
Num contexto desta natureza, e com o país e as empresas (a esmagadora maioria) mergulhados num crise profunda, e com milhões de portuguesas a enfrentar sérias dificuldades e muitas centenas de milhares já na miséria, defender reduções enormes nas contribuições para a Segurança Social e mais cortes nas pensões e em outras prestações sociais, é extremamente preocupante, pois revela ou uma ignorância muito grande sobre a importância e situação real da Segurança Social ou então uma enorme insensibilidade social. A Segurança Social, financiada com o dinheiro dos descontos dos trabalhadores, não pode ser um mero instrumento de consolidação orçamental ou de politica económica, pois se continuar a ser corre o risco de destruição, o que lançaria na insegurança e miséria milhões de portugueses.