Artigo de César Madureira
À semelhança do que se passou na maioria dos países europeus desde os anos 80 do século XX, também em Portugal a Reforma da Administração Pública (AP) foi animada por princípios de gestão privada que contribuíram de forma evidente para enfraquecer uma Administração Pública cada vez mais incapaz de prestar serviços de qualidade a@s cidadã@s.
No esteio de uma lógica de empresarialização e de diminuição do Estado (decorrente do pressuposto ideológico de que a um menor Estado corresponderia um melhor Estado), ao longo das últimas décadas, a dimensão alegadamente exagerada da AP e do peso dos salários da função pública no PIB constituíram-se como alvo preferencial dos sucessivos governos para explicar o “insucesso” da economia portuguesa ao longo dos últimos 20 anos.
Televisão, rádio e imprensa escrita foram os canais privilegiados para os defensores de um Estado Mínimo (políticos, governantes e opinion-makers comprometidos com a “ideologia de mercado”) procederem reiteradamente a uma diabolização do setor público, assim como à construção da teoria da impossibilidade de se manter um Estado Social de caráter universal e solidário.
Ao atual governo coube ainda a tarefa de reforçar a ideia de que, num contexto de crise económica e financeira, seria lógico serem os funcionários públicos a pagar o grosso da “fatura”, contribuindo assim para agudizar a degradação das condições de trabalho na AP e consequentemente para a degradação dos serviços públicos.
Já no início do século XXI, sob a égide dos governos PS, diversas medidas de reforma tinham contribuído para aprofundar uma aproximação deliberada das condições de trabalho dos funcionários públicos (FP) portugueses aos trabalhadores do setor privado, ignorando as idiossincrasias do trabalho público, nomeadamente por se encontrar diretamente sob a supervisão do poder político e por ter como objetivo principal o de servir de forma isenta e equitativa todas as camadas da população.
A partir de 2011, com a vitória do PSD nas eleições, e com a entrada da Troika no país, a procura de cortes cegos na despesa pública levou à implementação de medidas avulsas de suposta racionalização da Administração e dos seus recursos. Contudo, até à data, não existem estudos que avaliem as medidas de reforma/austeridade implementadas ao longo deste quatriénio que nos permitam aferir do impacto tido sobre o funcionamento da administração nem sobre a qualidade dos serviços prestados a@s cidadã@s. Certa é apenas a degradação do emprego público.
Estando a qualidade da administração inequivocamente dependente da qualidade do emprego público importa que se clarifique quais as medidas que poderão contribuir para um resgate da mesma no mais curto intervalo de tempo possível. De entre estas avultam:
– uma identificação clara dos deveres do Estado e da AP perante @s cidadã@s (em conformidade com o disposto na Constituição da República),
– um diagnóstico sobre os recursos humanos (que competências existem, como estão distribuídas e como deveriam estar), materiais e financeiros existentes na AP,
– uma avaliação das competências técnicas e comportamentais dos funcionários que podem contribuir para a concretização dos objetivos a que se propõe a AP,
– uma eventual redistribuição dos funcionários (sem perda de estatuto nem remuneração) com o propósito de que as suas experiências e habilitações possam servir melhor a AP em função das suas necessidades concretas,
– uma participação efetiva dos funcionários nos processos de reforma e de modernização,
– uma verdadeira profissionalização da gestão pública, que abdique em definitivo dos clientelismos partidários, e que se esforce por implementar as políticas públicas de forma eficaz e eficiente,
– uma descentralização da autoridade e da autonomia e a consequente responsabilização de dirigentes e funcionários (estes devem aprender a reconhecer os limites das normas e atuar na procura de soluções para os problemas),
– uma verdadeira aposta na qualificação e na motivação dos funcionários,
– uma remuneração justa e adequada ao exercício das funções públicas (com a consequente reposição imediata dos salários),
– uma adequada definição dos horários de trabalho (a volta às 35 horas, sendo que qualquer alteração a este respeito deverá sempre ser negociada entre Estado e trabalhadores),
– uma avaliação dos serviços, dos desempenhos coletivos e individuais de acordo com regras claras e passível de gerar consequências de diferenciação entre serviços e funcionários (revisão do QUAR e do SIADAP),
– uma revisão da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014 de 20 de Junho) tendo em conta a especificidade da prestação deste tipo de trabalho e a necessidade de um serviço público funcional que responda efetivamente às necessidades d@s cidadã@s.