Os quatro pecados mortais da zona euro

Artigo de Viriato Soromenho Marques


Não será necessário esperar muito tempo até que se revelem os riscos colossais para a Europa se prevalecer a intenção de condenar a Grécia ao ostracismo. O que pretendo neste breve ensaio é mostrar que a Zona Euro não está em condições de dar lições de economia política a nenhum país, quando ela própria transporta, desde o seu início, uma degenerescência congénita, que se traduz em quatro erros capitais, que necessitam de correcção profunda e urgente.

O primeiro erro da Zona Euro foi o de colocar o carro à frente dos bois. Todas as uniões monetárias que funcionaram começaram por ser uniões políticas. Antes de ter uma moeda comum, as uniões devem ter uma Constituição e um governo comuns, separando as competências dos dois sistemas de governo (o da União e o dos Estados nacionais) Foi assim nos EUA, com a Constituição Federal escrita em 1787, que antecipou em muito a união monetária do dólar e a estabilização de um banco central (que só ocorreria em 1913…). Foi também assim no II Reich Alemão. A unificação e a Constituição políticas de 1871, antecederam a união monetária de 1873 (o Reichsbank virá só em 1876). Por outras palavras, avançar para o euro sem existir um contrato constitucional e democrático entre os seus Estados participantes, foi um temerário sacrifício da soberania monetária dos países que se pode considerar como um verdadeiro crime político.

O segundo erro da Zona Euro consistiu em ter avançado para a implementação no terreno, sem a existência de um orçamento comum — o que implicaria prévia coordenação das políticas fiscais e económicas dos Estados — capaz de intervir em caso de “choques assimétricos”, que atingissem alguns dos seus Estados-Membros, como veio a ocorrer em 2008 e depois. É confrangedor pensar que ainda hoje o orçamento da União Europeia corresponde a uns míseros 1% do PIB conjunto dos seus 28 países. A ausência de um orçamento comum (que no mínimo deveria corresponder a 5-7% do PIB comum) impede que se possam activar políticas contracíclicas, que promovam investimento europeu para compensar a necessidade de contracção da despesa pública de Estados muito endividados. O propalado Plano Juncker, ou o Mecanismo Europeu de Estabilidade, são substitutos grosseiros e ineficazes dessa falha matricial.

O terceiro erro da Zona Euro foi o de ter inventado um hemiplégico banco central que deixou os Estados completamente nas mãos dos mercados da dívida pública. Um banco central deve ser capaz de financiar directamente os Estados em caso de necessidade, o que está proibido pelo artigo 123.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). Deve ser capaz de zelar pelo pleno emprego, e não apenas pela “estabilidade dos preços” (como manda o artigo 127.º do TFUE). É claro que Mario Draghi já inventou uma série de instrumentos que procuram contornar os defeitos estruturais do BCE (LTRO, OMT, TLTRO), mas eles não existiam em 2010. Milhões de empregos poderiam ser sido salvos, e nenhum resgate teria disso necessário se o BCE tivesse actuado na altura como um verdadeiro banco central…

O quarto de entre os maiores erros da ZE consistiu em ter tratado os Estados como entidades diabólicas e os bancos como personalidades angélicas, desprezando a lição da experiência, que mostrou precisamente o contrário. Sem a união bancária imposta por Roosevelt em 1933, os bancos teriam destruído a economia americana, depois de a terem incendiado em 1929. A ZE, amnésica e distraída, permitiu que os bancos fossem a fábrica e os canais da dívida que a deixou desequilibrada entre credores e devedores. Depois de mais de cinco biliões de euros dos contribuintes sacrificados no altar de centenas de bancos carregados de imparidades e contabilidades ficcionais, está a surgir uma união bancária, que é apenas uma pálida imagem do que seria necessário fazer.

Sem corrigir estes defeitos genéticos, com verdadeiras reformas estruturais, a Zona Euro continuará a ser uma criatura incompatível com a vida e a prosperidade dos europeus.