O agravamento dos desequilíbrios macroeconómicos no seio da União Europeia e suas consequências para os países menos desenvolvidos

Artigo de Eugénio Rosa

O artº 3º do Tratado da União Europeia (TUE) e os artº 191º, 121º e 136º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelecem mecanismos de supervisão e controlo destinados a prevenir e corrigir desequilíbrios macroeconómicos na EU, nomeadamente o Procedimento relativo aos Desequilíbrios Macroeconómicos (PDM). No entanto como a sua aplicação afetaria fundamentalmente os países poderosos da União Europeia (ex. a Alemanha), têm sido sistematicamente esquecidos pela Comissão Europeia, o que não acontece com o chamado Procedimento de Défice Excessivo (PDE) que tem sido utilizado amplamente pela Comissão Europeia para exigir medidas draconianas aos países menos desenvolvidos com défices orçamentais acima dos 3%. Uma politica de dois pesos e duas medidas que tem contribuído para as dificuldades que enfrentam atualmente países como Portugal e a Grécia como vamos mostrar.

OS PROFUNDOS DESEQUILIBRIOS QUE EXISTEM NO SEIO DA U.E., QUE SE ACUMULAM, E QUE EXPLODEM EM CRISES QUE ATINGEM PRINCIPALMENTE OS PAÍSES MAIS FRÁGEIS

Os dados do Eurostat constantes do quadro 1, referentes ao comercio intracomunitário no período 2003/2014,  mostram os profundos desequilíbrios que  se acumularam na zona do euro, não se tendo verificado qualquer esforço da Comissão Europeia para os corrigir embora tal obrigação constasse dos Tratados Europeus como referimos no inicio, os quais acabaram por explodir em crises agravadas pela crise financeira e económica  mundial.

Quadro 1- Balança Comercial do comércio intra-União Europeia – 2003/2014 – Em milhões €

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Como revelam os dados do Eurostat,  como a Holanda e a Alemanha acumularam gigantes saldos positivos na sua Balança Comercial com os países da União Europeia, enquanto outros como a França, a Espanha, a Grécia e Portugal acumularam enormes saldos negativos nas suas relações comerciais com os outros países da União Europeia. E como é evidente os saldos positivos de alguns países são obtidos à custa dos saldos negativos dos outros países.

Tais desequilíbrios nas relações comerciais que, inevitavelmente, se refletem também na Balança de Pagamentos de cada um destes países, e na “Posição dos Investiemnto Internacional”, determinam que, em alguns países, se acumulem gigantescos volumes de poupanças, enquanto outros, com enormes saldos negativos, financiam esses défices à custa de um crescente endividamento que, habitualmente, é promovido pelos países que acumulam elevados saldos positivos através de empréstimos concedidos aos países devedores.

UMA ALEMANHA QUE SE APROPRIA DA RIQUEZA CRIADA EM OUTROS PAÍSES COM A QUAL FINANCIA O SEU ELEVADO BEM-ESTAR

Os dados do quadro 2 da Comissão Europeia, revelam uma outra face desta mesma realidade que normalmente é escondida.

Quadro 2 – Riqueza produzida (PIB) e riqueza disponível (PNB) na Alemanha, Grécia e Portugal – Período 1995-2014

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Antes de se analisar os dados do quadro 2 (os valores de 2015 são previsões da Comissão Europeia), é importante recordar o seguinte, para que eles sejam compreensíveis e claros,: o PIB é o valor da riqueza criada anualmente no país; o PNB é o valor da riqueza que o país tem ao seu dispor em cada ano.

E como revelam os dados divulgados pela Comissão Europeia, até 2002, o PNB alemão era inferior ao PIB alemão, o que significava que uma parcela da riqueza criada na Alemanha era transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros países.A partir da criação da Zona Euro em 2002, a situação inverte-se rapidamente: o PNB alemão passa a ser superior ao PIB alemão, portanto os alemães passaram a apropriar-se de riqueza de outros países. Só no período 2003-2015, a riqueza criada em outros países que foi transferida para Alemanha, indo beneficiar os seus habitantes, atingiu 677.945 milhões € (3,8 vezes o PIB português). Em relação à Grécia e Portugal aconteceu precisamente o contrário. Na Grécia até 2001, o PNB grego era superior ao PIB. No entanto, a partir de 2002, com a criação da Zona Euro, começa a verificar-se precisamente o contrário. Entre 2002-2015, a riqueza criada na Grécia que foi transferida para o exterior, indo beneficiar os habitantes de outros países, atinge 48.760 milhões €. Em Portugal aconteceu o mesmo mas logo após a entrada para a U.E. Em 1995, o PNB português, ou seja, a riqueza que o país dispôs nesse ano ainda era superior ao PIB, ou seja, à riqueza criada nesse ano em Portugal, em 353 milhões €. Mas a partir de 1996, o PIB passou a ser superior ao PNB, ou seja, uma parte crescente da riqueza criada em Portugal começou a ser transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes de outros países. No período 1996-2015, o valor do PIB deste período (20 anos) é superior ao valor do PNB deste período em 70.751 milhões €, riqueza esta que foi transferida para outros países. Só no período da “troika” e do governo PSD/CDS a transferência liquida de riqueza para o exterior que foi beneficiar os habitantes de outros países atingiu 20.807 milhões €. É evidente que um país altamente beneficiado com a transferência de parte da riqueza criada na Grécia e em Portugal para o exterior foi a Alemanha.  Os dados da Balança Comercial apresentados confirmam isso.

OS DESEQUILÍBRIOS ENTRE OS PAÍSES DA UNIÃO EUROPEIA SÃO OS CAUSADORES DA CRISE QUE ENFRENTAMOS

As estatísticas do Banco de Portugal referentes à evolução da divida ao estrangeiro da banca mostram que o aumento enorme do endividamento em Portugal foi financiado pelo exterior. Para concluir isso observe-se o gráfico 1.

Gráfico 1- O financiamento da banca “portuguesa” por bancos estrangeiros – 1996/2014

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Como mostra o gráfico, o financiamento da banca portuguesa por bancos  estrangeiros, nomeadamente alemães, aumentou,  entre Março de 1996 e Março de 2010, de 28.229 milhões € para 204.990 milhões € (+626%). E foi precisamente este enorme crédito  concedido por bancos estrangeiros a juros baixos, que os banqueiros em Portugal pensavam que era interminável, que alimentou o enorme endividamento do Estado, das empresas e famílias tanto em Portugal como na Grécia. E o circuito é previsível. Os enormes excedentes que países como a  Alemanha acumulavam na sua Balança Comercial iam parar aos bancos desses países (por ex. alemães) que depois os emprestavam aos bancos portugueses e gregos, e estes concediam credito ao Estado, às empresas e famílias portuguesas que depois os utilizam (uma parcela) para adquirir bens e serviços importados, por ex.,  da Alemanha (carros, bens duradouros, equipamentos, etc.) criando-se assim um circulo vicioso (vaivém) de continuo e crescente endividamento cujo estouro foi apressado pela crise financeira mundial. A partir de 2010,  o financiamento dos bancos portugueses por bancos estrangeiros caiu de uma forma abrupta como mostra também o gráfico 1, criando sérios problemas aos países devedores, que ficaram com uma divida enorme e com reduzida capacidade para a pagar. Dizer que os países devedores são os únicos culpados é esconder a realidade, é faltar à verdade.

PORTUGAL E GRÉCIA DEVASTADOS PELA TERAPIA DE CHOQUE DE AUSTERIDADE  DA “TROIKA”

.A inação da Comissão Europeia para corrigir os elevados desequilíbrios existentes fez estourar crises de endividamento nos países mais frágeis, como Portugal e a Grécia que, depois, foram aproveitadas para impor a esses países terapias de choque de austeridade

Quadro 3 – As consequências da politica imposta pela “troika” em Portugal e na Grécia

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A destruição económica e social causada pela terapia de choque de austeridade imposta pela “troika” foi muito maior na Grécia do que em Portugal como revelam os dados do Eurostat que estão no quadro 3.

No período 2007-2014, a riqueza (PIB por habitante)  caiu em Portugal 5,8%, enquanto na Grécia caiu 24,4% (4,2 vezes mais); o investimento diminuiu em Portugal 35,1%, mas na Grécia reduziu-se em 54,7% (passou de 25,6% do PIB para apenas 11,6%); o défice orçamental registou em Portugal uma redução de 39,2%, enquanto na Grécia atingiu 65,7%, sendo em 2014 (3,5%) já inferior ao português (4,5%); o rendimento nacional líquido disponível teve em Portugal uma redução de 2,9%, enquanto na Grécia a redução atingiu 27,3%, ou seja, 9,4 vezes mais; a despesa de consumo em Portugal caiu 4% mas Grécia a queda foi de 16,4%, ou seja, quatro vezes mais.

Entre 2007 e 2014, foi destruído em Portugal 10,5% do emprego, mas na Grécia a destruição do emprego atingiu 22,3%, ou seja mais do dobro. Entre 2007 e 2014, a taxa de desemprego aumentou em Portugal 42,9% (passou de 9,1% para 13%), mas na Grécia a taxa de desemprego subiu 226,2% (passou de 8,4% para 27,4%); a taxa de pessoas ameaçadas de pobreza e exclusão social subiu 10% em Portugal, mas na Grécia aumentou 27,2%, ou seja, 2,7 vezes mais; e a taxa de pessoas em situação de privação material severa aumentou, em Portugal, 10,4%, mas na Grécia subiu 87%.

Os dados do quadro 4 completam o anterior, já que dão uma ideia da dimensão da devastação social causada pela terapia de choque de austeridade imposta pela “troika” a estes países.

Quadro 4 – A Variação do rendimento médio equivalente em Portugal, na Grécia e na Islândia, no período 2010-2014

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Segundo o Eurostat, entre 2010 e 2013, o rendimento médio equivalente por pessoa diminuiu em Portugal entre 8,7% e 10,5% de acordo com  o nível do ensino, mas na Grécia a quebra variou entre 34,4% e 38,8%. Se análise foi feita para o período 2010-2014, a quebra no rendimento médio equivalente atinge, na Grécia, entre 39,9% e 42,1%. E é a uma sociedade assim devastada económica e socialmente que as chamadas “instituições” (“troika”), Merkel e sócios querem impor mais cortes nas despesas públicas, nomeadamente pensões, e subidas de impostos.

A Islândia, um país que recusou a ingerência da “troika”, viu o seu rendimento médio equivalente aumentar, no mesmo período (2010-2013), entre 9,8% e 19,9%. Os comentários parecem desnecessários, mas estes números do próprio Eurostat merecem uma reflexão profunda sobre o que está acontecer nesta Europa que não serve as pessoas e que é dominada por eurocratas e pela Alemanha que a serve.