Crescimento, Contas Externas e Emprego em Portugal: uma Abordagem Intersectorial pelo lado da Procura

Artiigo de João Carlos Lopes


1. Introdução: motivação, vantagens e limitações do estudo

O principal objetivo deste trabalho é mostrar que existem caminhos alternativos à trajetória até agora seguida pela economia portuguesa, que tem sido, no essencial, o resultado de políticas erradas, restritivas e destruidoras de rendimento e emprego, induzidas pela Troika (CE, BCE e FMI) e executadas com zelo e fervor pelo atual governo.

A meta definida à partida é a recuperação dos níveis reais de produto, rendimentos e emprego vigentes no período anterior à grande crise financeira e económica de 2009, condição essencial para assegurar níveis mínimos razoáveis de coesão social, de estabilidade política e de um horizonte de esperança no futuro.

É uma tarefa difícil e exigente, mas há suficiente margem de manobra para a levar a cabo, desde que se mude o enquadramento político e económico vigente. Devia ser claro para os dirigentes (políticos e económicos) europeus que os objetivos instrumentais da consolidação e sustentabilidade das contas públicas e das contas externas não devem ser erigidos em objetivos finais, e praticamente exclusivos, nos tratados e na governação da zona euro. O grande objetivo final é sempre o bem-estar dos cidadãos e das famílias, e o pleno emprego é um requisito essencial para o obter, ao qual se deveriam subordinar todos os outros. Assim seria, certamente (também) na UE, se fosse a Alemanha que estivesse com os níveis dramáticos de desemprego da Grécia, da Espanha, de Portugal e de outros países periféricos.

A abordagem ao crescimento e ao emprego é feita neste ensaio pelo lado da procura (“demand led growth”), ou seja, trata-se de quantificar, numa lógica de análise conjuntural ou de curto prazo, os efeitos da evolução das componentes da procura final (PF) interna (consumo privado (C), consumo público (G), e formação bruta de capital (I)) e externa (exportações (Ex)) no Valor Acrescentado Bruto (VAB, equivalente ao PIB), nas importações (Im) e no emprego (L).

A metodologia utilizada baseia-se no Modelo Input-Output (IO), conhecido como Modelo de Leontief (do nome do seu criador), que formaliza e mede as relações entre os diferentes setores produtivos da economia, em termos de valor bruto da produção (VBP, outputs) e de consumos necessários a essa produção (inputs), quer intermédios (fluxos intersectoriais), quer primários (trabalho, capital e importações). Uma vez fixado o valor total das componentes da PF (C, G, I, Ex), é possível conhecer as solicitações de cada uma destas componentes aos setores nacionais e através da chamada matriz de multiplicadores de produção calcular o seu VBP. Conhecidos os valores do VBP dos setores, pode determinar-se o valor dos VABs setoriais (salários e lucros, mais os impostos indiretos líquidos) e das importações intermédias, bem como o emprego de cada setor. Finalmente, considerando os impostos indiretos líquidos que incidem sobre a PF e as importações diretas para a PF é possível calcular o PIB e as importações totais da economia. E considerando a evolução prevista (ou esperada) das produtividades do trabalho setoriais, é possível calcular o emprego total.
A grande vantagem desta metodologia é que permite calcular separadamente os conteúdos em VAB, importações e emprego das diferentes componentes da PF, o que é muito útil em termos de previsão macroeconómica destas variáveis. Por exemplo, em termos de emprego, as previsões macro limitam-se usualmente à utilização da chamada lei de Okun (relação entre o PIB e o emprego), e talvez isso explique em boa medida alguns erros de previsão desastrosos, como os que foram feitos aquando do desenho dos programas de ajustamento da Troika (para mais detalhes sobre este importante assunto, ver Amaral e Lopes, 2015).

Neste trabalho, os conteúdos em VAB, importações e emprego das componentes da PF serão quantificados e usados na construção de cenários para a economia portuguesa no futuro próximo, em alternativa ao que aqui se designa por cenário base, que é o que foi produzido pela Comissão Europeia, nas suas mais recentes previsões (ver European Commission, 2015), e que pode também apropriadamente qualificar-se como cenário do “status quo” ou de “business as usual”, que condena(ria) a economia portuguesa a um futuro sombrio de anémica criação de rendimento e emprego (como se mostrará mais à frente, no caso desta última componente, e a manter-se o ritmo previsto em 2015 e 2016 no cenário em causa, seriam necessários mais de 16 anos para se retomar o nível de emprego pré-crise de 2009, cerca de 5 milhões de empregados).

Dito isto, é necessário referir que os caminhos alternativos aqui propostos, com vista a uma (muito mais) rápida recuperação de rendimento e emprego (4 a 6 anos), não devem ser considerados previsões, mas cenários, com uma razoável margem de incerteza adicional, para além da que decorre da natureza prospetiva do exercício, devido a algumas limitações empíricas e metodológicas que é indispensável ter em conta: i) a análise IO baseia-se na chamada Matriz de Produção Nacional a preços de base (MPNpb), e para Portugal a última disponível é de 2011, não tendo por isso em conta as alterações estruturais profundas da economia portuguesa nestes últimos 3 anos; ii) o último ano para que se consegue o emprego setorial é 2012, e trabalhar com coeficientes de emprego deste ano para fazer projeções para 2015/2016 é um exercício arriscado; iii) a criação de emprego para um dado PIB (e respetivas componentes) depende muito da evolução da produtividade sectorial, e esta é muito difícil de prever, e tem tido um comportamento muito errático.

Em contrapartida, e a benefício do exercício, há alguns fatores que tornam o contexto económico vigente muito favorável à utilização da metodologia IO, ou seja: i) a inflação é baixa e não há grandes variações de preços relativos; ii) há uma grande sub-utilização de fatores produtivos, o que permite acomodar aumentos significativos da procura.

O resto do artigo está organizado da seguinte maneira. Na secção 2 faz-se uma análise de diagnóstico à economia portuguesa na última década (2004-2014), em termos de evolução do PIB, emprego, desemprego, componentes da procura interna (C, G, I) e contas externas (Ex, Im e Exportações líquidas (NX), ou saldo da balança de bens e serviços e seu peso no PIB). Na secção 3 descreve-se a metodologia utilizada na construção de cenários (análise IO). Na secção 4 apresentam-se os resultados empíricos obtidos com esta metodologia para 2011 e os ajustamentos necessários para dispor de valores para o ano base, 2014, a partir do qual se constroem os cenários para o futuro. Na secção 5, partindo do cenário base da CE (previsões da primavera, 2015), faz-se a apresentação de dois cenários alternativos de crescimento e recuperação do emprego vigente em 2008, um mais moderado e prudente (em 6 anos), e um outro mais rápido e voluntarista (em 4 anos). Na secção 6 conclui-se o artigo, com algumas considerações finais e chamando a atenção para o papel (também) muito importante de alguns aspetos do lado da oferta. Todos os valores calculados e comentados neste trabalho são fornecidos em quadros apresentados em anexo. Informações ou detalhes adicionais serão fornecidos pelo autor, mediante pedido expresso.

2. Diagnóstico: 2004/2014 – uma década de estagnação e de crise(s)

Antes de formular vias possíveis de melhorar o futuro, convém fazer um diagnóstico cuidadoso das dificuldades e dos infortúnios do passado. Embora muito se tenha já escrito sobre o assunto, vai neste caso fazer-se um balanço da evolução da economia portuguesa na última década, relativamente às variáveis macroeconómicas mais relevantes, ou seja, o produto, o emprego e o desemprego, bem como as componentes da procura interna, as exportações e as importações.

O período em análise corresponde a um ciclo completo da economia, dado que o ano inicial, 2004, é o primeiro de um (curto) período de expansão, a seguir à (ligeira) recessão de 2003, e o ano final, 2014, espera-se que seja o primeiro de um (não tão curto) período de recuperação e expansão a seguir a uma longa, profunda e inédita “dupla recessão” (“double-dip recession”), entre 2009 e 2013, com uma fugaz recuperação em 2010.

Em traços gerais, este período pode caracterizar-se por um ligeiro aumento real do PIB até 2008 (cerca de 1% ao ano), seguido de uma acentuada queda entre 2009 e 2013 (cerca de 7%), de modo que, apesar da ligeira recuperação em 2014 (0,9%), o produto situa-se no ano final 3% abaixo do ponto de partida. Sobre o valor absoluto do PIB entre 2004 e 2014, a preços de 2011, bem como as respetivas taxas de crescimento anual (TCA) e índice de evolução (2004 = 100), ver Quadro 1, apresentado em anexo.

Quanto ao emprego, verifica-se uma estagnação entre 2004 e 2008, em torno dos 5 milhões de indivíduos (ou seja, o ligeiro crescimento do produto correspondeu, no essencial, ao aumento da produtividade do trabalho, não tendo efeito visível na criação líquida de empregos), a que se seguiu uma massiva destruição de postos de trabalho (cerca de 550.000), inédita na história económica do país. Do que resultou um aumento da taxa de desemprego em cerca de 10% (de 6,6 para 16,2%, em 2013), que só não assumiu proporções bem maiores por fatores sobejamente conhecidos, a emigração em massa, sobretudo dos jovens e dos mais qualificados e o aumento dos desencorajados (a população ativa diminuiu 4,7%, ou 260 mil indivíduos, entre 2008 e 2014; com a população ativa de 2008 e o desemprego de 2013, a taxa de desemprego nesse ano teria sido 19,1%). Para os números detalhados da evolução do emprego e do desemprego, ver Quadro 1.

Subjacentes a esta significativa destruição de capacidade produtiva, de rendimento e de emprego estão essencialmente políticas restritivas, pró-cíclicas, insensatas e profundamente erradas, recomendadas/impostas pela Troika (UE, BCE, FMI), mas bem aceites e implementadas com inusitado fervor pelo governo português. Sem entrar em detalhes, por falta de espaço e por não ser este o objetivo principal do trabalho, vejamos os efeitos destas políticas, e de uma conjuntura internacional e interna muito adversas que elas não quiseram combater, ao nível das componentes da procura interna (os números relativos a estas variáveis são apresentados no Quadro 2).
Quanto ao consumo privado, o comportamento foi muito semelhante ao do produto (de que ele é aliás, como é bem sabido, e em todas as economias desenvolvidas, a componente principal e mais decisiva, cerca de dois terços): ligeiro aumento entre 2004 e 2008; profunda queda nos anos seguintes (exceto em 2010) e sobretudo em 2012 (-5,5%), o verdadeiro annus horribilis da economia portuguesa (recessão de 4%) e o apogeu das políticas da Troika e do atual governo português.

No que diz respeito ao consumo público, entre 2004 e 2008 o crescimento é ligeiramente inferior ao do produto e do consumo privado (o que diz bem da putativa “prodigalidade” do Estado como causa primeira da grande crise económica e financeira do país), e depois de um aumento apreciável em 2009 (+2,4%), num esforço insuficiente e prematuramente interrompido de combater a grande recessão desse ano, verifica-se uma acentuada descida até 2014, fortemente pró-cíclica.

Pior que tudo, todavia, conjunturalmente, mas sobretudo pelas suas consequências no desenvolvimento do país a médio e longo prazo, é o comportamento do investimento nesta década. Depois de uma relativa estagnação em torno dos 40/41 mil milhões de euros entre 2004 e 2008, o investimento afunda a pique nos anos seguintes, para cerca de 60% deste valor em 2013, embora se detete uma inversão de tendência em 2014 (+5,3%, de 25 para 26,4 mil milhões de euros), que importa preservar e fortalecer.

Por tudo o que ficou dito, uma estratégia de crescimento e de criação de emprego bem sucedida não pode deixar de prestar cuidadosa atenção e de atuar com eficácia ao nível das diferentes componentes da procura interna, sobretudo a curto/médio prazo.

Finalmente, importa referir que um dos poucos fatores positivos do violento ajustamento económico do país, que impediu que uma grande recessão se tenha transformado numa verdadeira depressão, foi o bom comportamento das exportações (ver Quadro 3). E é importante destacar, em abono da verdade, que este comportamento vem de antes da crise das dívidas soberanas e das políticas da Troika, ou seja, os 3 anos em que as exportações têm maior crescimento nesta década são: 2006 (+12,4%); 2010 (+9,5%); 2007 (+7,3%). Merece pois o maior destaque o esforço dos empresários e dos trabalhadores das poucas dezenas de milhares de empresas que exportam, que contra ventos e marés, num mundo globalizado e altamente competitivo, e sem a ajuda do instrumento cambial (desvalorização pontual ou deslizante, que muito jeito daria neste contexto), têm conseguido manter e ir ganhando quotas de mercado, de tal forma que as exportações estão hoje cerca de 45% acima do seu valor real de 2004, e passaram de 28 para 41% do PIB.

Paralelamente ao crescimento sustentado das exportações, verificou-se até 2008 um crescimento significativo das importações, de modo que o desequilíbrio das contas externas (neste caso, do défice da balança de bens e serviços) se manteve relativamente estável nos 15/16 mil milhões de euros, cerca de 8/9% do PIB. Neste caso, o sucesso do ajustamento económico (talvez o único, e a que preço!) deveu-se a uma significativa queda das importações em 2009 e 2011-2012, que se traduziu no reequilíbrio desta balança (ligeiro excedente em 2013, ligeiro défice em 2014). Assim sendo, é importante que a recuperação do crescimento e do emprego não se traduza num agravamento do défice da balança de bens e serviços para os níveis pouco sustentáveis do passado. Deve dizer-se a este propósito que o valor da taxa de crescimento das importações em 2014 (6,44%), o dobro do das exportações (3,28%), é um sinal de alerta e preocupação.

3. Enquadramento teórico: uma metodologia útil (Input-Output)

Nesta secção faz-se uma breve apresentação do modelo de Leontief, suporte teórico para os cálculos necessários à construção de cenários macroeconómicos baseados nas relações intersectoriais. Para uma análise detalhada deste modelo pode ver-se Miller e Blair (2009), e aplicações anteriores ao caso português foram feitas, entre outros, por Reis e Rua (2006), Lopes et al (2011) e Lopes (2012).

Este modelo parte do seguinte sistema matricial:

(1)     x = A x + y,

em que: x é o vector dos valores brutos de produção (vbp) dos n sectores da economia; A é a matriz de coeficientes técnicos (inputs intermédios de origem nacional por unidade de vbp de cada sector utilizador); y é o vector da procura final dirigida aos sectores, que resulta da soma de 4 componentes: consumo privado, consumo público, investimento e exportações.

A solução deste sistema, que existe sempre, desde que sejam garantidas algumas condições razoáveis, é:

(2) x = B y, com B = (I-A)-1

A matriz B, denominada inversa de Leontief, é uma matriz de multiplicadores de produção, cujo elemento genérico, bij, nos dá o impacto total (direto e indireto) na produção do sector i de um acréscimo unitário da procura final dirigida ao sector j.

Considerando que o peso dos inputs primários (trabalho, capital, impostos indiretos líquidos de subsídios e importações) no vbp de cada ramo é fixo, e agrupando-os numa matriz, Av, pode calcular-se a correspondente matriz de multiplicadores, pré-multiplicando-a por B.

Considere-se ainda a hipótese de que a estrutura vertical da procura final é constante, e dada pelas seguintes matrizes: Ay, uma matriz de dimensão (4xn) que resulta da divisão de cada componente da procura final dirigida aos sectores nacionais pelo valor total dessa componente; Az, uma matriz de dimensão (4×4), cujas 2 primeiras linhas (correspondentes às remunerações do trabalho e do capital) são nulas, e cujas 2 últimas linhas são compostas pelos coeficientes verticais de fiscalidade indireta e importações com incidência direta nas componentes da procura final.

Com base nas relações e hipóteses anteriormente consideradas, pode calcular-se uma matriz central para os cálculos apresentados na construção de cenários: a chamada matriz de conteúdos em inputs primários das componentes da procura final, que por vezes se designa por Gama:

(3) Gama = Av B Ay + Az

Trata-se de uma matriz (4×4), em que cada linha corresponde a um dos inputs primários já referidos e cada coluna corresponde a uma das componentes da procura final: C, G, I e Ex. Neste trabalho, dado que estamos interessados apenas na projeção do PIB e das importações, trabalharemos com uma matriz Gama de duas linhas, sendo a primeira delas o resultado da soma das remunerações do trabalho e do capital e dos impostos indiretos líquidos de subsídios, ou seja, o VAB a preços de mercado, equivalente por definição ao PIBpm.

Finalmente, podem ainda determinar-se os multiplicadores setoriais de emprego e os conteúdos em emprego das componentes da procura final, de forma similar, mas considerando os chamados coeficientes setoriais de emprego, ou seja, os quocientes entre o emprego de cada setor e o respetivo vbp (o inverso das produtividades setoriais). Neste caso, há que ter um cuidado especial, porque os valores em causa têm subjacente um rácio entre uma grandeza real (emprego, em número de trabalhadores ou horas de trabalho) e uma variável nominal (o vbp), o que não acontece nos multiplicadores e conteúdos de inputs primários. Neste trabalho, os coeficientes de emprego serão calculados com o número de trabalhadores.

4. Cálculos para o ano base – 2014: um exercício complicado

Para o cálculo dos conteúdos em inputs primários no ano base, 2014, começou por usar-se a Matriz de Produção Nacional a preços base, com 35 setores, disponível na World Input-Output Database (WIOD). Para uma descrição detalhada desta base de dados ver Timmer et al (2012).

Infelizmente, a última matriz disponível é a de 2011, e mesmo esta resulta de uma projeção da matriz de 2008, construída pelo DPP, o que é uma limitação importante deste trabalho. Com algumas hipóteses e ajustamentos, designadamente fazer corresponder o valor do PIBpm, das componentes da Procura final e das Importações ao valores efetivos desse ano, dados pelo INE, foi possível construir as matrizes de estrutura vertical referidas na secção anterior e proceder ao cálculo da matriz Gama, apresentada em anexo (Quadro 4). Esta matriz fornece algumas informações interessantes sobre a economia portuguesa, designadamente, que mais de um terço do valor das exportações (35%) corresponde a conteúdo importado, e que este conteúdo é ainda maior no caso do investimento (43%). E que o essencial dos gastos públicos corresponde a conteúdo nacional (90%), e por isso não pode contrair-se esta componente sem que o PIB se ressinta bastante.

Para o cálculo dos conteúdos em emprego, usou-se o emprego setorial retirado das Socioeconomic Accounts da WIOD, mas mais uma vez fez-se o devido ajustamento para que o emprego total desse ano, 2011, fosse o registado pelo INE, 4.776,7 milhares de trabalhadores. Também neste caso se destaca a importância do consumo público, que apresenta o maior conteúdo unitário em emprego, 0,025081 (ver Quadro 4, última linha).

Seguidamente, fez-se um ajustamento/projeção do valor destes conteúdos em PIB, importações e emprego para o ano de 2014 (ver Quadro 5), considerando constantes as matrizes de estrutura vertical (uma hipótese temerária, admitimos, dadas as convulsões porque a economia portuguesa passou, em 2012/2013, com o PAEF e a Troika), mas tendo em conta as variações do valor total das componentes da Procura Final e das importações, bem como as variações da produtividade do trabalho.

Neste último caso, foi possível atualizar os coeficientes de emprego para 2012, com valores reais do emprego setorial disponibilizados pelo INE. Para 2013 e 2014, ajustou-se apenas a produtividade do trabalho total (PIB por trabalhador).

Assim sendo, fica desde já, e mais uma vez, sublinhado o aviso para a grande cautela que se deve ter, de considerar as projeções para 2015 e anos seguintes como meros cenários, indicativos da ordem de grandeza relativa dos valores em causa, e nunca como previsões macroeconómicas, no sentido técnico do termo.

5. Construção de cenários: porque há sempre alternativa(s)!

Sendo o principal objetivo deste trabalho propor caminhos alternativos, baseados em políticas macroeconómicas (devidamente quantificadas e adequadas à estrutura produtiva da economia) de retoma do crescimento e de rápida recuperação do emprego, importa desde logo contrastar estes caminhos com a trajetória do status quo, do business as usual, do “mais do mesmo”, que para todos os efeitos práticos relevantes pode ser associada às previsões da Comissão Europeia (neste caso as últimas, de Maio de 2015). E o que no essencial resulta destas previsões (ver Quadro 6) é a condenação da economia portuguesa a um crescimento económico débil e a uma anémica criação de empregos, cerca de 30.000 por ano em termos líquidos. Ou seja, dado que as crises de 2009 e 2011/2013, verdadeiras armas de destruição massiva, eliminaram cerca de meio milhão de empregos, a este ritmo, com as políticas do costume, seriam necessários mais de 16 anos para se retomar o nível de emprego anterior à(s) crise(s).

Deve dizer-se que estas projeções da CE, em termos de emprego, suscitam fundadas reservas, porque não parecem ter tido em conta a estrutura produtiva da economia e respetivos conteúdos em emprego das componentes da procura final, e pressupõem apenas uma dada relação com o crescimento do PIB (lei de Okun), descontada a evolução da produtividade do trabalho (1% ao ano). Para o crescimento do PIB projetado, 1,6% em 2015 e 1,8% em 2016, a um crescimento inferior da produtividade poderia corresponder uma maior criação líquida de emprego.

Nos cenários que se seguem, uma das vantagens face às previsões da CE é justamente ter em conta as relações intersectoriais (mesmo com as limitações empíricas acima referidas).

Consideremos então duas alternativas, uma mais moderada e prudente, outra mais voluntarista e ousada. A prioridade é a recuperação do emprego para o nível vigente em 2008, em cerca de 6 anos no primeiro caso (+90.000 empregos/ano), em cerca de 4 anos no segundo (+130.00 empregos/ano). O que corresponderia a atingir em 2018 ou em 2020 uma taxa de desemprego entre 7 e 8%, caso a população ativa regressasse aos valores de 2008, ou uma taxa entre 4 e 5%, para um valor da população ativa semelhante ao de 2014. Com se disse anteriormente, estas metas só deveriam considerar-se excessivas e irrealistas no contexto do quadro mental da economia dominante que atualmente baliza o funcionamento da zona euro (vide Tratado Orçamental) que tudo sacrifica no altar da virtude e do rigor das contas públicas.

Cenário A1: Recuperação moderada e prudente

No Quadro 7 apresentam-se, em síntese, os principais resultados do cenário alternativo 1, cujos pressupostos de base são os seguintes (em variações anuais): considera-se um crescimento do consumo privado e das exportações semelhantes aos do cenário base da CE: 2% e 5%, respetivamente. No caso do Consumo Público, inverte-se a tendência de variação negativa (-0,3% em 2015) para um moderado crescimento de 1% ao ano, bem inferior ao crescimento do PIB e por isso perfeitamente compatível com uma trajetória de sustentabilidade das contas públicas. Quanto ao Investimento, propõe-se um reforço significativo (+7,5%), que permita retomar em 6 anos o valor real assumido por esta variável em 2008, o que significa um acréscimo anual em valor de cerca de 2.000 milhões de euros, o que pode alcançar-se com um bom aproveitamento dos fundos estruturais do Portugal 2020, com uma melhoria das expectativas dos empresários e com a continuação das baixas taxas de juro proporcionadas pela continuação de uma política monetária acomodatícia.

Com estes valores para as diversas componentes da procura final, e utilizando os conteúdos unitários em inputs primários ajustados para 2014 (ou seja, considerando constante a estrutura setorial da economia, pode projetar-se um crescimento do PIB de 3,1% e das Importações de 4%. O grande risco deste cenário reside precisamente no comportamento desta última variável. No cenário base da CE, a um crescimento do PIB de 1,6%, corresponde uma TCA das importações de 4,7%. Justifica-se assim acompanhar com cuidado esta situação, desejavelmente, e se possível, com uma política ativa de substituição de importações, cujos contornos precisos extravasam o âmbito deste ensaio. Caso fosse possível cumpri-lo à risca, o cenário A1 não implicaria uma degradação das contas externas, dado que o défice da Balança de Bens e Serviços (BBS) se manteria inferior a 1% do PIB (0,6%).

No que diz respeito à variável chave, o emprego, e pressupondo que a produtividade do trabalho (PIB por trabalhador) evolui de acordo com o estipulado no cenário base da CE (1% ao ano), verifica-se que este cenário alternativo é compatível com uma criação líquida de 95 mil empregos/ano, ou seja, 576 mil em 6 anos, retomando-se assim, em 2020, o nível de emprego de 2008.

Cenário A2: Recuperação rápida e ousada

Embora nos pareça mais realista e praticável o cenário A1, apresenta-se no Quadro 8 o que pode qualificar-se como um cenário de recuperação rápida e ousada. De acordo com os seus pressupostos e resultados, com um crescimento de 3% para o Consumo Privado, mantendo o crescimento das Exportações em 5%, aumentando ligeiramente o Consumo Público (para 1,3%) e acelerando a fundo a recuperação do Investimento (TCA de 13,1%, o que permitiria atingir em 4 anos o valor de 2008), poderia obter-se um crescimento do PIB de 4,1%, as Importações cresceriam 5,3%, o défice da BBS seria ligeiramente superior a 1% do PIB (1,2%) – mas atenção ao reparo anteriormente feito, sobre este assunto, que agora exiria ainda mais cuidado – e a criação líquida de emprego passaria para 142.000/ano, ou seja, 5.080 em 2018, exatamente o valor do emprego de 2008.

Este cenário, mais do que o anterior, implicaria, obviamente, uma inversão das políticas de austeridade atualmente em curso na zona euro, e exigiria provavelmente um mini-plano Marshall para Portugal e outros países periféricos (com uma dimensão muito maior na Grécia, certamente), sendo eventualmente essa a única via para garantir um sólido crescimento e um efetivo catching up, bem como para permitir que estes países se mantenham de forma sustentada no euro.

6. Conclusões: o lado da Oferta também é (muito) importante

A conclusão principal deste trabalho é a de que não é irrealista e insensato fixar como metas de política económica a curto médio prazo a aceleração do crescimento económico e a recuperação do emprego, sem comprometer o equilíbrio das contas externas, e que isso se consegue com uma inversão das políticas de austeridade em curso e com um esforço de investimento exigente mas alcançável.

O facto de se ter gizado uma estratégia macroeconómica do lado da procura para atingir essas metas, não significa que não se atribua a maior importância ao lado da oferta e aos aspetos de natureza microeconómica e estrutural.

Desde logo, o aumento do Consumo Privado num contexto de elevado endividamento das famílias só é viável e virtuoso com uma recuperação dos salários e das pensões (no mínimo em linha com os acréscimos da produtividade do trabalho) e com uma significativa diminuição das desigualdades do rendimento e da riqueza, essencialmente através de uma fiscalidade mais progressiva. E num país com tantas carências sociais, o combate à pobreza não pode deixar de ser uma prioridade absoluta, em paralelo com o combate ao desemprego, mas não se esgotando nele, dada a premência de diminuir acentuadamente a pobreza infantil e dos idosos.

No que diz respeito ao Consumo Público, mais do que a ligeira recuperação quantitativa proposta, importa assegurar um esforço de melhoria da sua qualidade a diversos níveis, de eficiência e simplificação administrativa, de racionalização e eficácia do serviço nacional de saúde e da escola pública, de maior autonomia às universidades e outros institutos públicos, de descentralização, etc.

Em termos de Investimento, a sua forte recuperação em valor deve ser acompanhada, tanto quanto possível, e na medida dos (poucos) instrumentos de política setorial disponíveis, por uma melhor afetação de recursos, desde logo ao nível da eficiência e rentabilidade do investimento público (transporte de mercadorias, redes de banda larga, ciência e tecnologia, energia e ambiente), bem como na concentração dos incentivos públicos (fundos estruturais e de investimento) nos setores de bens transacionáveis, no apoio às despesas de I&D, na renovação urbana, no suporte aos clusters já existentes e na formação de novos clusters, na captação de investimento direto estrangeiro de qualidade, etc. E não deve menosprezar-se a necessidade de fazer acompanhar o esforço de melhoria estrutural do capital físico com uma substancial melhoria dos recursos humanos, que sustente uma trajetória de aumento dos salários.

Quanto às medidas públicas de apoio à substituição de importações, a política de concorrência europeia deixa pouca (ou quase nenhuma) margem de manobra, mas os apoios às exportações podem ser importantes e muito úteis para uma melhor inserção das empresas portuguesas nas chamadas cadeias globais de valor e para um aumento significativo do valor acrescentado (direto e indireto) incorporado nas exportações. A este propósito, importa referir que há uma grande margem de manobra a aproveitar, decorrente da grande heterogeneidade do tecido empresarial (elevada dispersão de produtividade e eficiência), que não sendo um fenómeno exclusivo de economias periféricas como a portuguesa, assume nelas uma maior expressão, sendo por isso vital aumentar a percentagem de empresas que exportam e que têm capacidade para entrar e permanecer em mercados internacionais exigentes e competitivos.

Só atuando com inteligência e firmeza no lado da oferta, melhorando estruturalmente o funcionamento da sociedade, das instituições e da economia, nas áreas mencionadas e certamente em muitas outras não referidas, será possível aproveitar em pleno e potenciar o esforço de recuperação conjuntural proporcionado pelas intervenções do lado da procura propostas neste estudo. E sem nunca perder de vista que, por muito que nos queiram convencer do contrário, de facto, há sempre alternativas!

Anexos:

jcl1 jcl2 jcl3 jcl4 jcl5 jcl6 jcl7

Referências:

Amaral, J. F. and J. C. Lopes (2015), The Trade-off Unemployment Rate/External Deficit: Assessing the Economic Adjustment Program of the Troika (European Commission, ECB and IMF) for Portugal using an Input-Output Approach, Wp042015DEUECE, ISEG, Universidade de Lisboa.
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Miller, R. E. and Blair, P. D. 2009. Input-Output Analysis: Foundations and Extensions, Second edition, New York: Cambridge University Press.
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Timmer, M. P. (2012), The World Input-Output Database (WIOD): Contents, Sources and Methods, WIOD working paper nr. 10, disponível em: www.wiod.org