Três razões para perceber Passos Coelho

Artigo de João Ramos de Almeida.


Essa foi talvez a única importante reforma que não conseguimos completar neste domínio fiscal durante estes quatro anos“.

Há várias formas de entender as recentes declarações de Passos Coelho sobre a necessidade de reduzir “os custos do trabalho”.

Primeiro, Pedro Passos Coelho não percebeu que já conseguiu reduzir os “custos do trabalho”. De acordo com os dados fornecidos pelas empresas ao INE, os quadros de pessoal reduziram-se de 2010 a 2012 (ano mais recente das estatísticas) em 331 mil postos de trabalho (menos 9%!), em que se verificou a desaparição de 81 mil empresas. E o valor dos gastos com pessoal reduziu-se nessa dimensão (menos 9%). Mas se os gastos por trabalhador se reduziram apenas em 1%, o volume de vendas caiu nesses dois anos 7% , a prestação de serviços 12% e, consequentemente, o valor criado pelas empresas 14% e o excedente bruto de exploração (rendimento das empresas) caiu 21%.

E estamos a falar apenas até 2012. A partir desse ano, entraram em vigor as alterações à lei laboral que conseguiram reduzir substancialmente a factura salarial média individual, que redundou – segundo os dados mais recentes – numa transferência de valor dos trabalhadores para as empresas superior a 3 mil milhões de euros, por ano.

Dir-se-á que isso não é ainda suficiente. Mas nesse caso, quem possa dizer isso está como Passos Coelho que parece que não ter entendido por que é que não conseguiu no seu mandato reduzir mais os “custos do trabalho”.

Olhe para este gráfico:

Fonte: Estatísticas das Empresas, INE

Os gastos salariais – já com contribuições para a Segurança Social – pesavam em 2012 pouco mais de 21% do valor de produção, valor que pouco mudou desde 2004. Ou seja, para reduzir 1% o valor da produção (e com o preço final das mercadorias ou serviços, para os tornar mais competitivos), os salários teriam de reduzir-se 5%. Se fosse necessário realizar uma desvalorização de 16% – como queria o FMI em 2011 – os salários teriam de reduzir-se 80%! Ou seja, a única forma de o conseguir seria… introduzir robots nas empresas e exterminar os trabalhadores!

Segundo as mesmas estatísticas, os serviços fornecidos às empresas pesam cerca de 35% do valor de produção. Quase o dobro dos gastos com pessoal. Mas por que é que se insiste tanto na redução dos “custos do trabalho”?

Foi em parte por isto:

1) que o relatório que os técnicos de vários ministérios e do Banco de Portugal elaboraram em Julho de 2011, questionaram a eficácia de uma descida das contribuições sociais, como forma de compensar a impossibilidade de uma desvalorização cambial.

2) ou que surgiram críticas técnicas e mesmo do patronato após o anúncio de Passos Coelho a 7 de Setembro de 2012 de que a Taxa Social Única (TSU) dos trabalhadores iria aumentar de 11 para 18%, enquanto a das empresas iria descer de 23,75 para 18% (ver minuto 10). Foi uma ideia que Vítor Gaspar admite ter discutido com António Borges (“Vítor Gaspar por Maria João Avillez”). Disse então Passos Coelho: “Não existem curas rápidas que substituam a preparação cuidadosa e paciente do crescimento económico. Mas podemos agir com rapidez para aliviar e estancar o aumento do desemprego.” E a medida “rápida” foi adoptada com esse objectivo.

Mas face à oposição generalizada – que, segundo Gaspar – teve uma “grelha de leitura” muito “simplista” e que “parecia saída de um documento socialista do século XIX” (transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas), levou o Governo a recuar e, em vez disso, a aprovar no OE 2013 o “enorme aumento de impostos”, que ainda perdura.

Mas nesse caso porque insiste Passos Coelho em fazer renascer um nado morto?

Essa é a terceira razão: Passos Coelho não tem condições para reintroduzir a medida, embora apareça agora a defender uma descida da TSU para as empresas de forma faseada, sem que se perceba:

1) quem pagará a medida – se os trabalhadores, a receita de IVA ou da própria Segurança Social;

2) qual a dimensão da descida e qual a sua eficácia, já que, se os gastos com pessoal pesam 21% da produção, as contribuições para a Segurança Social pesam 20% dos gastos de pessoal! Ou seja, para que a produção desça apenas 1%, as contribuições para a Segurança Social teriam de descer ao redor de 25%. Ou seja, a receita das contribuições para a Segurança Social teriam de sofrer um corte de 17% para conseguir o fraco resultado de descer 1% no preço final.

E quem beneficiaria mais? As grandes empresas, com grandes concentrações de massa salarial e em bens nada transacionáveis nos mercados internacionais.

Mas eu acho é que Passos Coelho não quer reintroduzir a medida. Aliás, há oito meses Passos Coelho defendia precisamente o contrário;

1) quer, sim, tomar a iniciativa do debate nas legislativas;

2) e, ao mesmo tempo, sacudir todas as culpas da má situação do país, da subida do desemprego e do fraco crescimento económico, dando um passo em frente. Encontrar uma bóia de salvação para as eleições. Como se a culpa não estivesse na sangria provocada pela austeridade, mas em todos os que não o deixaram aplicar as medidas necessárias para salvar o país.

Na verdade, Passos Coelho sempre soube muito bem como ganhar eleições.


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas