Artigo de Vítor Junqueira
Tem-se ouvido e lido ao longo da última semana que as taxas das contribuições para a Segurança Social — generalizando para a famosa TSU — têm servido de instrumento de política económica a vários estados-membros da União Europeia. Mais concretamente, fala-se de reduções da TSU como ferramenta comum, quase banal, na oficina social europeia.
Mas será mesmo assim? Houve assim tantas reduções? E com a envergadura que os partidos do arco da governação parecem querer pretender introduzir? Quais foram afinal os países que procederam a tais reduções? Uma pesquisa pela informação disponível revela-nos muito sobre esta matéria.
Neste exercício foi feita uma consulta ao MISSOC (ver Caixa 1). Numa primeira fase, comparou-se a situação a 1 de julho de 2009 com a de 1 de julho de 2014, para cada um dos estados-membros, a partir da informação disponível na secção de financiamento da Segurança Social por via de contribuições sobre rendimentos de trabalho. Depois, e já que é informação que está também publicamente disponível, validou-se o exercício com informação consultável nos relatórios nacionais do projeto de microssimulação EUROMOD (ver Caixa 2), os quais, entre outros assuntos, fazem referência às taxas contributivas em vigor nestes países ao longo do período acima indicado (ou de grande parte dele).
Advertências importantes:
• As percentagens apresentadas (taxa total = parte do trabalhador + parte da entidade empregadora) são meras referências obtidas a partir das relações contributivas aparentemente mais comuns (por analogia com a “nossa” TSU), nas proporções que cubram os riscos igualmente mais comuns (essencialmente, velhice, invalidez, sobrevivência/morte, desemprego, parentalidade e prestações familiares). Dado que alguns dos sistemas podem ser bastante complexos, esta contabilização nem sempre será a mais correta, não prejudicando contudo a avaliação da evolução entre 2009 e 2014.
• Por outro lado, as diferentes taxas não são imediatamente comparáveis entre estados-membros, pois dizem respeito a sistemas que podem ser muito diferentes em virtude da natureza das respetivas abrangência, adequabilidade e diversificação de fontes de financiamento. Todos estes fatores contribuem para diferenças de monta entre os sistemas, que podem explicar (ou não) as próprias diferenças entre as “TSUs”.
Assim sendo, através deste exercício constatou-se que em apenas dois estados-membros houve reduções nas respetivas TSUs. Ou talvez nem sequer isso. É que num destes, a Alemanha, é abusivo dizer que 0,1pp de diferença na taxa contributiva global representam uma redução digna de nota (em 2014: 39,45% = 20,176% + 19,275%).
Assim sendo, apenas na Suécia se verificou uma redução significativa da TSU, mais precisamente em cerca de 2pp (taxa em 2014: 25,64% = 7% + 18,64%).
Em 11 dos estados-membros a TSU não se manteve, mas foi… aumentada:
Taxa total | Trab. | Ent. Emp. | Evolução 09-14 | |
---|---|---|---|---|
Bulgária | 30.3% | 12.9% | 17.4% | <1pp | Chipre | 15.6% | 7.8% | 7.8% | 1pp | Finlândia | Grande diversidade | Grande diversidade | Grande diversidade | aprox. 1pp | França | 40.75% | 10% | 30.8% | 4.5pp | Grécia | 32.1% | 11.05% | 21.05% | <1pp | Hungria | 46.5% | 18.5% | 28% | <1pp a 2.5pp (*) | Letónia | 34.09% | 10.5% | 23.59% | 1pp | Lituânia | 30.8% | 3% | 27.08% | 0.1pp | Luxemburgo | 23.8% | 11.05% | 12.75% | 0.2pp | Polónia | 41.42% | 22.71% | 18.71% | 2pp | Reino Unido | 25.8% | 12% | 13.8% | 2pp |
(*) MISSOC aponta para 2,5pp, ao passo que EUROMOD aponta menos de 1pp.
Em outros 11 casos, a TSU permaneceu inalterada:
Taxa total | Trab. | Ent. Emp. | |
---|---|---|---|
Áustria | 37.7% | 17.2% | 20.5% | Bélgica | 45.32% | 13.07% | 32.25% | Dinamarca | 8% + valores fixos e recurso generalizado a impostos | Eslováquia | 42.8% | 13.4% | 29.4% | Eslovénia | 37.67% | 22.1% | 15.57% | Espanha | 35.35% | 6.25% | 29.1% | Estónia | >36% | 35% | 1% + impostos sociais | Irlanda | 12.5% | 4% | 8.5% | Itália | 37.97% | 9.19% | 28.78% | Rep. Checa | 45% | 11% | 34% | Roménia | 43.85% | 17.05% | 26.8% |
Fora destas contas ficaram Malta, que tem um sistema contributivo assente numa lógica diferente, e Países Baixos, um sistema complexo onde houve evoluções em sentidos divergentes, não sendo claro o resultado final (mas onde não é abusivo concluir por uma manutenção do nível contributivo geral).
Onde reside então o significado para a ideia de que muitos países europeus têm reduzido a TSU para fins de política económica? Será que o alcance temporal deste exercício (cinco anos, ainda que sejam precisamente os cinco anos que coincidem com o ciclo terrível de austeridade e de políticas anti-crise, onde seria portanto expectável esta redução da TSU por quem a defenda nestes termos) é reduzido demais? Um olhar adicional ao MISSOC revela que mesmo que se esticasse o alcance temporal por outros cinco anos, os resultados seriam semelhantes. A única exceção cabe à Polónia, que nesse período terá reduzido as contribuições por conta dos riscos invalidez e sobrevivência, tanto por conta dos trabalhadores como das entidades empregadoras. É pouco.
Já que estamos em tempos de perguntas, repita-se uma vez mais esta: quais foram então esses outros países que reduziram a TSU para fins de política económica?
Curiosamente, já dizia Vítor Gaspar, em 2011 — e tal serviu para pôr em causa a sua própria intenção de transposição para a realidade das intenções do FMI, um ano mais tarde, como sabemos — que “A redução da TSU (…) ainda não foi usada deliberadamente por nenhum país para ganhar competitividade. É algo não testado”.
Artigo revisto e adaptado de texto originalmente publicado no blogue Buracos na Estrada
MISSOC: Mutual Information System on Social Protection
Em atividade desde 1990, o projeto MISSOC, da Comissão Europeia, constitui-se hoje como uma central de conhecimento na área da proteção social (quadros legislativos, obrigações, prestações, regras, etc.) no espaço europeu. Autoridades públicas, investigadores e cidadãos em geral têm ao dispor uma base de informação descritiva, significativamente extensa e atualizada (ou retrospetiva), a respeito dos sistemas de proteção social de cada Estado-membro, a qual pode ser consultada de forma isolada ou integrada, oferecendo uma gama diversa e robusta de recursos para qualquer estudos comparativo nestes temas. Esta base de informação é alimentada pelas próprias autoridades públicas que em cada país tutelam a área social.
EUROMOD
Desenvolvido na Universidade de Essex, por encomenda da Comissão Europeia e em colaboração com equipas nacionais de todos os estados-membros da União, o EUROMOD é um modelo de microssimulação de políticas sociais e fiscais. Para o efeito deste exercício em redor das taxas contributivas, recorreu-se apenas a informação relativa às mesmas que se encontra disponível no modelo, e em particular nos relatórios nacionais produzidos no âmbito do EUROMOD, tão só como meio adicional de validação da informação obtida via MISSOC.