O que nos devem? Mudanças no regime de emprego, regressão social e desigualdade em Portugal no quadro da austeridade neoliberal

Artigo de Maria da Paz Campos Lima.


No contexto da crise financeira e económica internacional iniciada em 2008, a resposta europeia à chamada crise das dívidas soberanas de 2010, provocada, em primeiro lugar, pelo financiamento público à recapitalização da banca, consistiu numa dupla estratégia combinando uma política agressiva de austeridade e disciplina fiscal com uma política ancorada no conceito de ‘desvalorização interna’ visando reformas estruturais do mercado de mercado de trabalho, da proteção social e da negociação coletiva.

Com a Nova Governação Europeia, iniciada em 2011, o modelo social europeu torna-se variável de ajustamento da União Económica e Monetária. Nos últimos quatro anos, as recomendações do Semestre Europeu à generalidade dos estados membros, embora com ligeiras variações, orientaram-se no sentido da desvalorização salarial competitiva e da desregulação competitiva da legislação social (Pochet e Degryse, 2013). As políticas requeridas incluem como objetivos: indexar ou reduzir os custos com pensões e cuidados de saúde, em nome da sustentabilidade e da racionalização; alterar os sistemas de formação dos salários, mudando substancialmente os regimes de negociação coletiva na perspectiva da sua subordinação aos imperativos do mercado e da competição; baixar os custos salariais, através de vários tipos de intervenções, em nome da promoção do emprego; flexibilizar os despedimentos coletivos e individuais em nome da redução da segmentação do mercado de trabalho e do crescimento do emprego; e limitar os benefícios sociais, incluindo o subsidio de desemprego social, entendendo-os como desincentivo à participação no mercado de trabalho (Schulten and Müller, 2013; Schömann, 2014 ).

Estas recomendações ocorreram em paralelo não só com a imposição dos critérios do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, mas também com a intensificação da coordenação europeia das políticas dos estados membros (Semestre Europeu e Euro-Plus Pact) e com a implementação de procedimentos impondo sanções financeiras (Six Pact), tendo como consequência a redução da margem de autonomia de decisão dos estados nacionais incluindo em matérias que anteriormente eram da sua exclusiva competência. Contudo, a intensidade do ‘novo intervencionismo europeu’ (Schulten and Müller, 2013, 2014) tornou-se mais evidente nos países em crise forçados a recorrer à assistência financeira da UE e/ou do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em troca de tal assistência, esses países tiveram de introduzir profundas reformas políticas, as quais foram estabelecidas tanto nos chamados ‘Memorandos de Entendimento’ (MoUs) com a Troika (UE, BCE e FMI), no caso da Grécia, Irlanda e Portugal, como nos ‘acordos stand-by’ com o FMI, no caso da Hungria, Letónia e Roménia. Por outro lado, países como a Espanha e a Itália foram sujeitos não só á pressão do semestre europeu, mas também à pressão do BCE no sentido de introduzir profundas reformas politicas.

Quadro 1 – Recomendações no campo dos salários e da negociação coletiva (2011 -2013)
Recomendações no campo dos salários e da negociação coletivaSemestre Europeu
(CNRs)
Troika - MoUs/ FMI -SBAs
Moderação salarialBulgária; Finlândia; Itália; Eslovénia
Restrições aumento salário mínimoFrança; Eslovénia
Congelamento/ cortes salário mínimoGrécia; Irlanda; Letónia; Portugal; Roménia
Congelamento/ cortes sector públicoGrécia; Irlanda; Hungria; Letónia; Portugal; Roménia
Congelamento salários sector privadoGrécia
Aumentos salariais com base na produtividadeAlemanha
Descentralização negociação coletivaBélgica; Espanha; ItáliaGrécia; Portugal; Roménia
Reforma/eliminação indexação salarialBélgica; Chipre; Luxemburgo; Malta

Fonte: Schulten e Müller (2013:299)

A implementação das políticas de austeridade neoliberais nestes quatro anos representa uma divida colossal para com os povos da Europa e em particular do Sul da Europa. Não só porque estas políticas contribuíram para o retrocesso económico dos países, para a escalada do desemprego e precariedade do emprego, para a diminuição dramática de rendimentos e aumento da pobreza, para a crescente desigualdade e transferência de rendimentos do trabalho para o capital, mas também porque o seu resultado se traduziu num aumento exponencial da dívida incomportável com qualquer perspectiva séria de progresso económico e social. Além do que, no processo, estas politicas visando a desvalorização interna transformaram radicalmente instituições e/ou comprometeram profundamente a sua eficácia, reconfigurando os regimes de emprego (Gallie, 2013) na perspectiva liberal e as relações de poder em prejuízo dos trabalhadores.

As políticas de austeridade neoliberais em Portugal: o que nos devem?

Nos últimos quatro anos, em Portugal, durante a governação da coligação PSD/CDS, não houve nenhum domínio de política com incidência no trabalho que tivesse escapado à deriva austeritária neoliberal, quer através das medidas requeridas pelo MoU, quer através das medidas não explicitadas no MoU, mas em linha com as suas exigências e sancionadas pela Troika, quer através das mais recentes medidas pós-Troika, enquadradas no semestre europeu. Com efeito, as políticas implementadas baixaram salários nominais e reais, aumentaram e flexibilizaram o tempo de trabalho, redefiniram o quadro institucional da negociação coletiva no sentido da sua erosão, flexibilizaram os despedimentos individuais e coletivos e promoveram o trabalho temporário, reduziram o montante e a duração do subsídio de desemprego e aumentaram os impostos sobre o trabalho. Deste modo assistiu-se a uma reconfiguração do regime de emprego (Gallie, 2013) em Portugal no sentido do modelo anglo-saxónico liberal eliminando ou reduzindo as componentes do regime de emprego que asseguravam alguma inclusividade (Campos Lima e Fernandes, 2014).

1. A redução dos custos salariais e a negociação coletiva

No campo da política salarial há que distinguir as medidas com incidência na redução do rendimento ilíquido salarial, quer dos trabalhadores do sector público, quer dos trabalhadores do sector privado. Apesar dos trabalhadores do sector público terem sido muito mais penalizados (Rosa, 2014), em ambos os casos tratou-se de um programa intensivo de desvalorização interna.

Quadro 2 – Medidas com incidência na redução das remunerações (2011-2015)
Incidência Setorial Medidas
Medidas com incidência na redução do rendimento ilíquido salarial dos trabalhadores do sector público e do sector privadoCongelamento do salário mínimo no valor de 2011 (2012; 2013; 2014) - MoU
Aumento do salário mínimo limitado a 20 Euros com redução da contribuição patronal em 0.75% (4º trimestre 2014/2015)
Cortes nos feriados e férias sem compensação remuneratória (a partir de 2012)
Redução para metade do valor das horas extraordinárias (a partir de 2012) - MoU

Medidas com incidência no rendimento salarial ilíquido dos trabalhadores da função pública
Cortes dos subsídios de 50% no subsídio de Natal (2011); Suspensão do subsídio de Natal e de Férias (2012);
Cortes dos salários nominais acima de 1500 Euros (2011; 2012; 2013; 2014). Os mesmos cortes com redução de 20% (2015). Congelamento dos salários abaixo daquele montante. Bloqueio das carreiras.
Aumento do horário de trabalho de 35 para 40 horas sem compensação equivalente (a partir de 2012).

A estas medidas acrescem as medidas tomadas relativas ao regime de negociação coletiva na lógica da ‘descentralização desorganizada’, as quais tiveram efeitos no dramático declínio do número de convenções setoriais e da cobertura das convenções coletivas negociadas, enquanto se reduziu também o número de convenções de empresa. Note-se, que além do impacto quantitativo, estas medidas visaram alterar a qualidade dos resultados da negociação coletiva setorial, encorajando atitudes patronais de pressão para a redução dos direitos laborais uma vez que não estava garantida a extensão das normas negociadas e pressionando os sindicatos a aceitar normas mais desfavoráveis à mesa das negociações, designadamente sob a ameaça de caducidade das convenções, intensificada pelas medidas tomadas já no período pós Troika.

Quadro 3 – Medidas incidindo sobre o regime de negociação coletiva – sector privado (2011-2014)
Bloqueio da emissão das portarias de extensão (2012; 2013 e 2014) - MoU

Revisão dos critérios de extensão das convenções coletivas introduzindo restrições baseadas na representatividade das organizações patronais (50% do emprego no sector) – (2012: 2013 e 2014) – MoU; Revisão dos critérios – adicionando como critério de representatividade patronal a proporção de pequenas e médias empresas (a partir do 4º trimestre 2014)

Medidas visando a descentralização da negociação coletiva (a partir de 2012) - MoU:
Possibilidade de celebração de acordos de empresa (AEs) por estruturas representativas dos trabalhadores em empresas com 150 trabalhadores ou mais;
Possibilidade das convenções coletivas estabelecerem que as normas nos domínios da flexibilidade geográfica e funcional; gestão dos horários de trabalho e remunerações possam ser definidas por convenção coletiva de outro nível (por exemplo de empresa) - MoU

Normas imperativas no domínio do trabalho extraordinário e feriados

Instituição do Banco de Horas individual não regulado por convenções coletivas (a partir de 2012) – MoU

Redução do período de vigência das convenções coletivas (de 5 para 3 anos) e de sobrevigência (de 18 para 12 meses) - (Iniciada no 4º trimestre 2014) – MoU/Semestre Europeu

Possibilidade de suspensão das convenções coletivas em situação de crise empresarial (Iniciada no 4º trimestre 2014) – MoU/Semestre Europeu.

As consequências destas medidas foram desastrosas. Em três anos consecutivos a cobertura das convenções coletivas negociadas declinou drasticamente variando entre um quinto e um sétimo do número de trabalhadores cobertos por convenções coletivas em 2008.  O número de convenções coletivas de âmbito setorial (CCTs e ACTs) nesses três anos consecutivos declinou também drasticamente variando entre um terço e um quarto do número de convenções negociadas em 2008. E finalmente os acordos de empresas também sofreram uma redução embora não tão significativa e o aumento observado em 2014 não atingiu os valores de 2008 (Quadro 4 e Gráficos 1 e 2).

Quadro 4 – Evolução da contratação coletiva 2008-2014
2008200920102011201220132014
CCT e ACT199164146115464672

AE
97 87 64 55 39 48 80

Total convenções
296 251 230 170 85 94 152

Portarias extensão
137 102 116 17 12 9 7

Nº Trabalhadores/cobertura
1894788 1397225 1407066 1236919 327662 242239 246388

Fonte: Gabinete de Estratégia e Estudos – GEE.

Gráfico 1

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 2

No sector público a negociação coletiva foi praticamente bloqueada pela ação unilateral do governo. Em primeiro lugar, pelas medidas já descritas com incidência nos salários. Em segundo lugar pelo bloqueio do governo às convenções negociadas entre os sindicatos e a administração local, recusando publicar cerca de 540 convenções coletivas incluindo o retorno ao horário semanal de 35 horas.

2. A flex(in)segurança

A estratégia de flex (in)segurança prosseguida, definida no essencial pelo MoU, baseou-se na redução, em simultâneo, da proteção no emprego através da facilitação dos despedimentos e trabalho temporário (de vários tipos) e na redução da proteção no desemprego. Esta estratégia concorre também para a ‘desvalorização interna’ facilitando a substituição de trabalhadores com contratos permanentes por trabalhadores com contratos temporários, cujos custos de trabalho são tendencialmente mais reduzidos e pressiona os desempregados a aceitar qualquer tipo de emprego. A combinação destas medidas tende a provocar a redução da qualidade de emprego no plano remuneratório e de outros direitos laborais.

No que se refere à facilitação dos despedimentos, o Código do Trabalho 2012 e as suas revisões posteriores acolheram no essencial as exigências do MoU ou respeitaram a sua filosofia isto é a ideia de que os motivos para os despedimentos individuais deveriam basear-se no desempenho dos trabalhadores (produtividade e realização de objetivos). Assim, de acordo com as exigências explícitas do MoU, alargou-se a possibilidade de despedimento por inadaptação às situações em que mesmo sem a introdução de mudanças (tecnológicas ou organizacionais) haja uma modificação substancial da prestação do trabalhador, nomeadamente, uma redução continuada de produtividade ou de qualidade. E também em linha com a filosofia subjacente ao MoU, a revisão posterior do Código de Trabalho de 2012, através da lei n.º 27/2014 introduziu a avaliação do desempenho como critério prioritário para a seleção dos trabalhadores a despedir. Ao abrigo desta lei, passam a existir cinco critérios ‘?objetivos?’ para despedir trabalhadores no caso da extinção do posto de trabalho, por ordem de importância: pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador, menores habilitações académicas e profissionais, maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa, menor experiência na função e menor antiguidade na empresa.

Contudo, uma das exigências do MoU vertida no Código do Trabalho 2012, isto é, a de eliminação das normas que previam a obrigação da tentativa de transferência do trabalhador para outro posto de trabalho disponível ou uma função mais apropriada no caso dos despedimentos individuais (por inadaptação e por eliminação do posto de trabalho) seria chumbada pelo Tribunal Constitucional, um ano depois da sua entrada em vigor.

O governo introduziu ainda, em várias etapas (Lei 53/2011, Lei 23/2012 e Lei 69/2013), na linha das exigências do MoU, a redução da compensação por despedimento afetando despedimentos individuais e coletivos: eliminou a compensação mínima antes em vigor, equivalente a três anos de antiguidade; introduziu dois limites máximos no montante da compensação, não podendo ser superior a 12 vezes a retribuição mensal e diuturnidades, nem superior a 240 salários mínimos; e reduziu, num primeiro tempo, a compensação por despedimento de 30 para 20 dias por ano de antiguidade e, num segundo tempo, de 20 para 12 dias.

No Plano Nacional de Reformas 2014, “Caminho para o crescimento: uma estratégia de reforma de médio prazo para Portugal“, iniciando a participação de Portugal no Semestre Europeu, o governo vangloriava-se com aquele conjunto de medidas considerando que permitiram reduzir significativamente a ‘rigidez excessiva do mercado de trabalho português e combater a sua forte segmentação’. No seu entender as medidas contribuíram para uma melhoria assinalável do índice Employment Protection Legislation (EPL) da OCDE, no que diz respeito aos despedimentos individuais e coletivos, que passou de 3,5 em 2008 para 2,7 em 2013, um valor inferior ao registado por países como a Alemanha, a Bélgica e a França.

Não obstante o discurso sobre a segmentação do mercado de trabalho, o governo não deixou de promover as formas precárias de emprego através de medidas legislativas, permitindo a renovação dos contratos a termo por mais um ano além do previsto (Lei 3/2012 e Lei 76/2013), entre outras medidas.  De resto, a ideia de reduzir a segmentação do mercado de trabalho através da generalização da insegurança aos contratos de trabalho permanentes constitui uma falácia. Visto que não evita a continuação de outras formas de segmentação não visíveis nas estatísticas oficiais sobre contratos permanentes e contratos temporários, como se sabe da experiência dos países do regime de emprego liberal como é o caso do Reino Unido.

Ao mesmo tempo em que reclamava a flexibilização dos despedimentos, o MoU exigia a revisão do regime do subsidio de emprego no sentido da redução da sua proteção, consumando uma estratégia de flex(in)segurança:  redução do montante do subsídio de desemprego e introdução de um perfil decrescente de prestações; e a redução da sua duração para 18 meses. Estas medidas de redução da proteção social no desemprego não são suficientemente compensadas pelas medidas também propostas pelo MoU de extensão da cobertura do subsídio de desemprego através da redução do período contributivo necessário para aceder ao subsídio de desemprego para 12 meses, nem pelo seu alargamento ao trabalho independente (com características especificas), dada a persistência e aumento do desemprego e do desemprego de longa duração.

O Decreto-Lei 64/2012 alinhou as mudanças legislativas pelo MoU. Com esta legislação o montante máximo do subsidio de desemprego diminuiu de 1.258 euros para 1.048 euros, sendo reduzido de 10% após um período de seis meses.  Quanto à duração do subsidio de desemprego passou-se a exigir um período de dois anos de contribuições para se adquirir o direito ao subsidio de desemprego durante 18 meses. Enquanto anteriormente o período de atribuição variava entre um mínimo de nove meses e um máximo de 38 meses (dependendo da idade e tempo de contribuição), com a nova lei a sua duração passa a variar entre um mínimo de cinco meses e um máximo de 26 meses. Com o novo sistema a duração máxima do subsídio de desemprego que se aplica apenas para aqueles com um período mínimo de dois anos de contribuição varia entre 11 meses para pessoas com idade inferior a 30 anos; 14 meses para aqueles com idade entre 30 e 40 anos; e 18 meses para aqueles com idade superior a 40 anos. A extensão adicional destas durações depende da duração do período de trabalho anterior, e o máximo previsto, ou seja, até 26 meses aplica-se apenas a pessoas com mais de 50 anos, com um mínimo de 20 anos de contribuições. Finalmente, embora a lei tenha incluído uma medida positiva para alargar a cobertura do subsídio de desemprego através da redução do período contributivo necessário para aceder a prestações de desemprego de 450 dias para 360 dias, a redução da sua duração combinada com o aumento do desemprego e do desemprego de longa duração agravou na prática a exclusão do subsídio de desemprego de um grande número de pessoas desempregadas (ver Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3

Gráfico 3

Gráfico 4

Gráfico 4

Fonte: Eurostat(LFS).

3. Outras consequências no plano da regressão social e da desigualdade

A ligeira queda na taxa de desemprego oficial em 2014 não permite qualquer otimismo, uma vez que não reflete na sua totalidade o problema do desemprego no país. O aumento do número de pessoas em programas ocupacionais não contabilizadas oficialmente como desempregadas; o desemprego desencorajado (pessoas desempregadas que não procuram emprego) que não é contabilizado como desemprego e é contabilizado na população inativa; a persistência e aumento do subemprego (trabalho a tempo parcial de muito curta duração) que conta como emprego; e por último, mas não menos importante, o aumento da migração em massa, incluindo de jovens altamente qualificados, documentam a extensão do desastre provocado pelas politicas de austeridade neoliberal. O estudo recente do Observatório sobre as Crises e as Alternativas (Barómetro das Crises, nº13) estima que, se considerarmos estes esses fenómenos (sem contar o subemprego) como desemprego oculto, a taxa de desemprego ‘real’ em Portugal teria sido em 2011 à volta de 15,7%, atingindo 24,7% em 2014; e somando  o subemprego atingiria perto de 30% da população cativa. (Gráfico 5).

Gráfico 5

Gráfico 5

Fonte: Barómetro das Crises nº 13, Observatório sobre as Crises e as Alternativas

Paralelamente, a desigualdade de rendimentos aumentou em resultado do aumento do desemprego, do declínio dos salários, da redução das prestações sociais e da transferência de rendimentos do trabalho para o capital (Leite et al, 2013; Rosa, 2014). Enquanto entre 2005 e 2009 a tendência observada foi a de declínio progressivo da desigualdade, estagnando em 2009 e 2010, a partir de 2011 a dinâmica de desigualdade aprofundou-se, em particular no respeitante aos indicadores de desigualdade S90/S10 e coeficiente de Gini (Quadro 5, Gráfico 6).

Gráfico 6

Gráfico 6

Quadro 5 – Indicadores da desigualdade de rendimento (2005-2014)
Indicadores de desigualdade 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Gini Coeficiente 37.7 36.8 35.8 35.4 33.7 34.2 34.5 34.2 34.5

S90/S10
11.9 10.8 10.0 10.3 9.2 9.4 10.0 10.7 11.1

S80/S20
7.0 6.7 6.5 6.1 6.0 5.6 5.7 5.8 6.0

Fonte: Eurostat, SILC e INE, Inquérito às Condições de Vida e Rendimento.

Conclusões

Nos últimos quatro anos, em Portugal, durante a governação da coligação PSD/CDS, a deriva austeritária neoliberal traduziu-se no aumento do desemprego e da pobreza, no declínio de salários reais e nominais, no aumento da desigualdade de rendimentos, e numa regressão económica e social sem precedentes, quer através das medidas implementadas no período de intervenção da Troika, quer através das recentes medidas pós-Troika enquadradas no semestre europeu. No percurso desmantelaram-se as instituições que distinguiam o regime de emprego em Portugal do regime de emprego anglo-saxónico liberal, em particular no que se refere à negociação coletiva e à proteção no emprego. E reduziu-se substancialmente a eficácia de instituições como o salário mínimo nacional e o regime de subsídio de desemprego. A discussão das alternativas em curso não o pode ignorar e qualquer agenda séria deve, pelo menos, pôr na ordem do dia a eliminação do conjunto de medidas aqui apreciadas, sob pena de transformar em norma a política de emergência e de exceção. A mensagem que tem sido passada é que tal propósito é radical. Radical seria que exigíssemos a anulação de tais medidas com efeitos retroativos, o pagamento integral de tal divida para com o povo português, o que convenhamos, seria da mais elementar justiça. A mensagem que tem sido passada, e que o caso das ‘negociações’ em curso com a Grécia tem vindo a demonstrar, do lado da EU e do FMI, é que não há alternativa, repetindo à exaustão como um mantra a frase de Margaret Thatcher que inaugurou a entrada no neoliberalismo na Europa dos anos 80.  Contra tal inevitabilidade urge mobilizar esforços e conjugar solidariedades em Portugal, nos países do Sul da Europa e em toda a Europa pela proteção no emprego, pela negociação coletiva, pelo aumento dos salários compatível com uma vida digna, pela melhoria da proteção social, e pela recuperação e aprofundamento do modelo social europeu. E, paralelamente, colocar na agenda do dia a mobilização pela revisão do Tratado orçamental que esmaga os países da periferia europeia e a mobilização por uma reestruturação das dívidas que permita responder às necessidades das gerações presentes e futuras e abrir caminho para o progresso económico e social.


Bibliografa e referências

Campos Lima, Maria da Paz e Lídia Fernandes. 2014. “A austeridade, a Flex(in)segurança e as mudanças do regime de emprego em Portugal”, comunicação apresentada na conferência internacional 40 anos depois do 25 de Abril. A crise dos sistemas demoliberais do ocidente. Lisboa / ISCTE-IUL, IHC-FCSH-UNL e CES Lisboa.
Gallie, Duncan. 2013. “Economic crisis, the Quality of Work, and Social integration” in Duncan Gallie (ed.) Economic crisis, Quality of Work, and Social Integration: the European experience. Oxford University Press. 2013.
Leite, Jorge, Hermes Augusto Costa, Manuel Carvalho da Silva e João Ramos Almeida (2013), “Austeridade, reformas laborais e desvalorização do trabalho”, in Anatomia da Crise: identificar os problemas e construir alternativas, Observatório das Crises e das Alternativas.
Observatório sobre as crises e as alternativas. 2015. “Crise e mercado de trabalho: Menos desemprego sem mais emprego?”, Barómetro das Crises e das Alternativas nº 13.
Pochet, Philippe e Christophe Degryse.2013. “Monetary Union and the stakes for democracy and Social Policy”, Transfer 19(1). 103-116. 2013.
Rosa, Eugénio. 2014., “A transferência do rendimento do trabalho para o capital na administração pública”.
Schömann, Isabelle. 2014. “Labour Law Reforms in Europe: adjusting employment protection legislation for the worse? Working Paper 2014.02, ETUI (European Trade Union Institute), Brussels.
Schulten, Torsten e Torsten Müller. 2013. “A new European interventionism? The impact of the new European economic governance on wages and collective bargaining”, in David Natali e Bart Vanhercke (eds.) Social developments in the European Union 2012, Brussels: ETUI/OSE, 181-213.
Schulten, Torsten e Torsten Müller. 2014. “European economic governance and its intervention in national wage development and collective bargaining” in Steffen Lehndorff (ed.), Divisive integration: The triumph of failed ideas in Europe – revisited, Brussels: ETUI, 331-363.