Artigo de António Bagão Félix.
Volto ao tema da TSU e da proclamada intenção da descida da TSU das empresas.
Abandonada a tese abstrusa dos vasos comunicantes entre a TSU da empresa e a TSU dos trabalhadores, o Primeiro-ministro lança de novo a ideia de reduzir aquela, ainda que de uma maneira absolutamente vaga e enigmaticamente ambígua. A seguir, Marco António Costa vem dizer que a contrapartida da descida da TSU (quantos pontos percentuais, muito ou pouco, gradualmente ou de uma só vez?) seria a criação de empregos que originariam mais receita global de TSU.
Como nestas coisas é sempre bom fazer umas simples contas, vejamos o seguinte quadro:
Descida da TSU patronal | Subida do IVA | Taxa normal do IVA | Número de empregos a criar para compensar descida da TSU | Aumento do volume de emprego total |
1 p.p. | 0,66 p.p. | 23,66% | 141.000 | 3,2% |
2 p.p. | 1,33 p.p. | 24,33% | 282.000 | 6,4% |
4 p.p. | 2,66 p.p. | 25,66% | 564.000 | 12,8% |
5,75 p.p. | 3,83 p.p. | 26,83% | 810.750 | 18,4% |
[para a elaboração deste quadro, considerei 1) a redução da TSU patronal de 5,75% corresponde à anunciada pelo Governo em Setembro de 2012; 2) o valor total da TSU e do IVA previstos no OE 2015; 3) o aumento no IVA nas taxas normal, intermédia e reduzida; 4) a criação de novos empregos com base num salário médio de 600 € por 14 meses, já referido por Francisco Louçã no post "Alguém no governo sabe fazer as contas da TSU?"(clicar para ver) ; 5) a comparação do volume de emprego feita com o valor de emprego total da última informação do INE (Fev. 2015) incluindo trabalho por conta de outrem e por conta própria].
Os números falam por si. Partamos da hipótese que a “desvalorização fiscal” que Passos Coelho e Marco António têm na cabeça é equivalente à de 2012 e que está, obviamente, afastada a hipótese de aumentar a TSU dos trabalhadores. (não esquecendo que, em média, os custos salariais são apenas cerca de 30% do custo total, o que significa que estamos a falar de uma redução global de 1,72%!) Então das duas, uma: ou o IVA passaria para perto de 27% (!) ou o milagre da multiplicação dos empregos seria de tal monta que a população empregada teria que aumentar 18,4% (mais 810.000 postos de trabalho!) em simultaneidade com a redução da TSU, para não se perder receita…
Como a memória é curta vale a pena recordar o que afirmou, em 2012, o então ministro Vítor Gaspar ao explicar a medida depois abandonada. Disse esperar que a redução da TSU resulte num aumento de um por cento no emprego (o equivalente a cerca de 40 mil empregos), certamente com a concordância do mesmo PM e, quem sabe, de Marco António Costa. Sem mais comentários…
Umas notas finais, nesta minha breve reflexão.
A primeira, para relembrar que a redução dos custos de trabalho nos últimos anos tem sido constante por força da estagnação salarial e da entrada ou reentrada no mercado de trabalho com um salário inferior (no conjunto dos anos de 2010,2011 e 2012, os custos unitários do trabalho diminuíram 6,1%, segundo o Banco de Portugal).
A segunda, sobre a substituição de parte da TSU por impostos (e só vale a pena falar do IVA, dada a sua magnitude), que, para além das consequências fortemente negativas e regressivas do ponto de vista económico e social, implicaria também o perigo de desvirtuar a relação contributiva sinalagmática que está subjacente ao modo de financiamento do sistema público de pensões, provocando um aumento de desresponsabilização contributiva e colocando o sistema contributivo refém do ministério das Finanças.
A terceira, para referir que teríamos uma situação de ineficiência porque em mercados imperfeitos e menos sujeitos à concorrência (designadamente externa), a redução da TSU poderia não ser repercutida para a frente (diminuição do preço final), mas para trás (aumento dos lucros). Ou seja, uma alteração da TSU, em parte revertendo para lucro de empresas (sobretudo rentistas), seria compensada aumentando o IVA sobre toda a gente…
É que a hipotética descida da TSU não poderia sequer ser selectiva, por razões comunitárias e técnicas. E, se pudesse, o que é uma empresa exportadora? A que exporta 100%, 50% ou outra percentagem? Num ano ou vários anos? E as empresas que operam no mercado nacional e que evitam importações (ou seja, com o mesmo resultado na balança comercial)?
Em poucas palavras: deixemo-nos de fantasias.
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia