Austeridade e protectorado

Artigo de João Ferreira do Amaral.


Os defensores das políticas de austeridade usam normalmente como argumento dessa defesa o seguinte:

– um país com elevados níveis de défice e de dívida pública, quando não dispõe de moeda própria – como é o caso dos estados da zona euro – não tem outro remédio senão reduzir o défice , uma vez que se não o fizer mais cedo ou mais tarde o Estado entra em bancarrota; daí que haja plena justificação para políticas de austeridade.

Posto assim, o argumento faz sentido. Pode discutir-se o ritmo óptimo de redução do défice e principalmente quem paga essa redução, ou seja quem vê os seus rendimentos baixarem para que o défice seja reduzido, mas a justificação do objectivo existe.

As políticas de redução do défice em Portugal como em outros países da zona euro têm sido mal concebidas: têm prejudicado relativamente mais os funcionários públicos, os reformados e os que vivem de apoio financeiro público. Por outro lado, o ritmo de redução pretendido para o défice foi excessivo levando, até, provavelmente a uma pior execução do pretendido, ou seja a redução foi menor do que poderia ter sido se o ritmo escolhido tivesse sido mais moderado.

Mas se é verdade que o argumento da redução do défice tem validade, não é menos verdade que não pode servir para defender as políticas de austeridade que vigoram na zona euro. Isto por uma razão simples: é que as políticas de austeridade europeias vão muito além de uma mera redução do défice público. A austeridade, segundo anunciam, pretende também melhorar a competitividade da economia através da desvalorização interna.

A desvalorização interna significa a redução do custo do trabalho – por redução de salários, diminuição da TSU ou aumento do horário do trabalho – condição supostamente essencial para melhorar a competitividade do país. Significa também, por arrasto, para manter o equilíbrio da segurança social, a redução das pensões de reforma. Para além disso, é imposta também uma alteração das leis laborais de forma a precarizar mais o emprego e portanto obter por essa via nova redução dos custos de trabalho.

É a política de desvalorização interna que torna a política de austeridade inaceitável, porque desvaloriza o trabalho, aumenta as desigualdades e nem sequer é eficiente do ponto de vista da melhoria da competitividade da estrutura produtiva. As autoridades europeias para tentar fazer passar melhor esta política de austeridade dão-lhe o nome de reformas estruturais.

No caso grego e no caso português a Troika continua a insistir no aprofundamento da política de desvalorização interna. No que respeita à Grécia tal é evidente na forma como têm decorrido as atribuladas negociações actuais.

No caso português, os últimos relatórios de avaliação por parte da Troika criticaram fortemente o governo português por não prosseguir suficientemente a política de reformas estruturais ou seja por não aprofundar a desvalorização interna.

Não pode haver dúvida que, quando for nomeado novo governo depois das próximas legislativas, o programa que esse governo será obrigado a prosseguir já está traçado: avançar na desvalorização interna. E até há um instrumento poderoso para obrigar o futuro governo se este estiver renitente a realizar esse programa: é o Tratado Orçamental, que obriga os países com excesso de dívida ou de défice a fazer uma parceria económica com as autoridades comunitárias que, com base nessa parceria, irão forçar o plano de “reformas”.

Esta é uma situação que poderemos considerar de verdadeiro protectorado europeu. Isto é, uma situação em que, a pretexto da situação de excessivo endividamento, as autoridades europeias intervêm em áreas que o Tratado de Lisboa reserva aos estados nacionais, como sejam as leis laborais ou a segurança social.

Austeridade e protectorado estão hoje intimamente ligados na União Europeia.