Artigo de Mário Bairrada.
Em termos gerais, o texto do sumário executivo concretiza com clareza os pressupostos da designada Variante ao Programa de Estabilidade 2017/21 (VPE2017/21) apresentado em abril:
- manutenção do essencial dos compromissos europeus;
- assunção da trajetória de consolidação orçamental que, ao explicitar o ponto anterior, permite reforçar a reputação internacional do país em termos das suas finanças públicas;
- necessidade de negociação com Bruxelas sobre o objetivo de médio prazo das finanças públicas.
bem como o objetivo do exercício efetuado
- demonstrar que uma política mais expansionista, com as restrições acima, torna possível não só a melhoria dos serviços como, questão essencial, um maior crescimento do PIB.
De modo implícito está subjacente um pensamento económico e um posicionamento ideológico que se afasta claramente do duo monetarismo/neoliberal que constitui o mainstream. Nas palavras dos autores:
- “Não consideramos desejável, económica, social ou politicamente, que Portugal tenha um excedente primário excessivo, como o sugerido pelo PE (Programa de Estabilidade do Governo para 2017-21) para esse período” (pág. 36)
(num comentário lateral, recordaríamos a afirmação de René Passet, que gostamos de evocar: “Toda a interpretação económica repousa necessariamente sobre uma conceção do mundo, do homem e da sociedade”. É através desta afirmação que lemos a “defesa” de um dos autores (Paulo Trigo) no Observador de 30/09 p.p. A antinomia entre variante e alternativa não nos parece ajustável perante cenários que divergem no crescimento económico, no investimento público, etc. num enquadramento exaustivamente referido como menos restritivo do que o apresentado pelo governo. Mais significativo: os autores propõem um peso do Estado na economia de 43,2% em 2021 contra os 41,7% constantes da proposta do governo).
Os resultados a que chegam (os mais importantes):
- maior crescimento do PIB nominal do que o cenarizado pelo governo (efeito multiplicador do aumento da despesa – permitindo a evolução previsível das taxas de juro a não existência do efeito crowding-out);
- maior nível de despesa efetiva, permitindo maiores despesas com pessoal, com consumo intermédio e em formação bruta de capital fixo;
- (apesar do aumento da despesa) saldo primário representando 3,6% do PIB em 2021 contra os 4,8% propostos pelo governo (este valor supõe: objetivos de médio prazo do saldo estrutural menos restritivo)
são animadores, demonstrando que a política de “finanças sãs” proposta pelo governo, mesmo no quadro das restrições impostas por Bruxelas, por excessivamente restritivas constituem um travão ao crescimento, à criação de emprego (o período recente demonstrou a predominância da procura numa economia de serviços, contrariando os apologistas, ideólogos, da maior importância do lado da oferta).
A irracionalidade do governo (não no sentido do recente prémio Nobel da economia) sucederá se não admitir a hipótese de discussão desta variante. Até porque o “fogo exterior” depois de derrotado pela “variante portuguesa” de consolidação orçamental (re)centra-se naquele que sempre foi o foco principal: a flexibilização do mercado de trabalho (FMI dixit).
Em termos particulares centramo-nos na apreciação de 3 das áreas que concorrem para a construção da variante:
- despesas com pessoal e emprego público – na ausência de dados sobre a estrutura do emprego público e, aparentemente, afastada a “versão Pedro Portugal” sobre os privilégios salariais dos funcionários públicos, consideramos positiva a referência ao benchmark europeu que refuta a tese de excesso de emprego público e, por outro lado, a necessidade de reforço orçamental para contemplar descongelamento de carreiras e aumentos salariais;
- investimento público – significativa a diferença entre a VPE e a proposta do governo. Com efeito, de acordo com a VPE o investimento público seria superior em 2,123 mil milhões de euros nos 5 anos do Programa, com maior incidência no ano de 2021 (+ 779 milhões);
- saúde – afigura-se muito pertinente por parte da VPE o centramento no pagamento aos fornecedores como suporte da proposta para crescimento da despesa em consumo intermédio. Com efeito, o aumento do atraso do pagamento aos fornecedores e a hipocrisia da oposição de direita na denúncia do menor compromisso com o SNS por parte do governo são dois dos possíveis eixos da justificação para um maior envolvimento do setor privado na Saúde.